Há jogos que, por melhores intenções que eles tenham tido para entregar um produto coeso, divertido, dinâmico, profundo, com uma narrativa sólida e com um bom desenvolvimento de personagens, eles irão inevitavelmente falhar em um ou dois destes aspectos citados. Não se pode ter tudo, afinal.

O problema maior reside justamente quando uma obra simplesmente resolve entregar algo entupido de problemas. E nisso, Gungrave G.O.R.E., produzido pelo Studio IGGYMOB e lançado pela Prime Matter, inova, pois consegue falhar em tudo que ele tenta e se predispõe a fazer.

Antes de mais nada, é preciso dizer que não se trata de uma franquia nova. No máximo, é uma franquia adormecida. Revitalizar jogos dormentes, muitas vezes, servirá para apresentar sucessos ou bons jogos do passado para novas audiências. E se a intenção era tornar conhecido uma série de jogos que começou lá atrás, ainda no Playstation 2 (e que possui uma série de animação lá de 2003), a decisão poderá afastar não só as novas audiências, mas também quem conhecia os outros games da série Gungrave.

Ainda que seja válido que o jogo tenha a sua chance de disputar as atenções do mercado, dos jogadores e da crítica especializada, a decisão de entregar o produto final da forma como ele sairá nesta segunda quinzena de novembro é curiosamente questionável. Ao final dos seus quase quarenta estágios, alguns mais e outros menos desafiadores, o que temos é que Gungrave G.O.R.E. é um jogo quebrado, incompleto, que insatisfaz e é muito mais longo do que deveria e necessitava ser.

Ele parece durar cerca de trinta ou quarenta horas. O pior de tudo, na realidade, é que o game pouco passa das dez horas de duração, alongando-se desnecessariamente a partir da sua metade final.

Em pouco ou nada, infelizmente, Gungrave acerta e se sai bem. É difícil que se saia, pois, mediante a incessante repetição de esquemas de fases (cujo level design é bastante parco), a chuva de inimigos sempre com os mesmos rostos do início ao fim do jogo e com as mesmas mecânicas sendo repetidas quase que na totalidade da obra, nada de bom poderia sair de tamanha insuficiência artística, digital e narrativa – e financeira, claro, para que novos membros e mais especializados times de produção existissem para consertar o trem descarrilhado de Gungrave pelo caminho.

O que é Gungrave G.O.R.E.?

Tendo saído pela primeira vez ainda para o Playstation 2, em 2002, o primeiro exemplar da franquia se chamava apenas Gungrave. O game, que na época foi produzido Red Entertainment, conseguiu sucesso suficiente para garantir e obter outras sequências ao longo dos anos (como a sequência direta, lançada em 2004). Até o jogo desta análise, a franquia obteve até versão em VR.

Para quem não é familiarizado com a narrativa por trás dos jogos, o novo game faz sua parte e, nesse sentido, talvez este seja o seu único acerto sem ressalvas. Logo no início, ainda em sua tela de menu, é possível se conhecer mais da história da franquia de forma bastante detalhada e com um amparo visual importante. Todo o capricho que é visto aqui, infelizmente, não se traduz no jogo.

Todavia, mesmo para quem não é familiarizado ou usará esse recurso do novo jogo para saber mais, não há segredos e sua história é simples. Na cidade da escória, ou Escoriapolis (como se vê no jogo), a criminalidade é quase imparável e bastante recorrente. Caberá, então, ao anti-herói Grave, o Pistoleiro Ressuscitado – com seu carisma de uma tábua quebrada em dia de chuva e em pleno feriado –, por um fim aos vastos índices de criminalidade que ocorrem em toda a Escoriapolis.

Atire! Atire! Atire! Pergunte depois. O gameplay de Gungrave G.O.R.E.

Jogadores que foram acostumados aos lançamentos saídos nos últimos quinze anos poderão não reconhecer uma série de elementos bastante característicos da extensa maioria dos games da sétima geração até aqui. Não há sidequests, não há NPCs para se conversar, não há evolução do nível do personagem, não há um arsenal de armas à disposição do jogador, não há caminhos alternativos que levem os jogadores até trechos misteriosos e secretos de cada estágio e não há muitas outras coisas.

Gungrave G.O.R.E., gostemos ou não, é bastante direto nas suas cerca de doze (cansativas) horas para ser finalizado. E é justamente aí que reside um dos principais problemas do jogo. Ser direto e econômico no que tem a mostrar e oferecer, no caso da obra, não se traduziu em uma gameplay mais dinâmica e nem mesmo possibilitou um aprofundamento de sua narrativa e desenvolvimento dos poucos personagens que há no game. Nada disso.

Em se tratando de personagens, Grave é um acontecimento raro: é um personagem tão chato e sem nada relevante a ser mostrado que, quando ele, em cerca de dois momentos, dá lugar aos outros dois rostos jogáveis do game, podemos ter a certeza que a vibe de protagonista silencioso e badass foi um erro tremendo. É quando não controlamos Grave que a coisa melhora um pouco. Tarde demais, contudo. E por pouco tempo, infelizmente. Ser chamado de Grave (cova, do inglês) não necessariamente quer dizer apenas que o protagonista é um Pistoleiro Ressuscitado, e sim que ele é quieto como um túmulo.

E já que estamos a falar sobre o Pistoleiro Silencioso, digo, Ressuscitado, a única customização que ainda há é a aquisição de novos golpes e ataques para Grave que podem ser adquiridos a partir do progresso de cada fase. Estas aquisições são garantidas pelo nosso número de beats (os tradicionais hits dos jogos de luta), que indicam o número de acertos/tiros consecutivos que infligimos aos inimigos do game.

Quanto mais beats, maior o nosso bônus de moedas para efetuar as trocas no Laboratório que fica no menu inicial de Gungrave. Ainda assim, há algo estranho e tortuoso até aí. Para se liberar as novas habilidades e ataques, como em praticamente qualquer outro jogo, não fazemos, em Gungrave, essa mudança dentro do próprio jogo. É preciso sair do jogo para tal. Pois é, cara leitora e leitor: o jogo nos tira dele para que se possa ter a evolução que se deseja e, só depois, possamos voltar novamente para o jogo.

Falando em sair do jogo, e agora não literalmente, há uma chata e constante simbolização de trilha à qual devemos seguir ao longo de Gungrave. Tal simbolização, que se dá através de uma gigantesca seta amarela que aponta para o chão o caminho que devemos seguir é inconveniente, desnecessária e antipedagógica. Ora, como há pouco destaquei, não há outros caminhos para além do principal.

Estamos falando de um jogo que não oferece bifurcações, salas e espaços alternativos, fases secretas, nada disso. Só existe um caminho durante as mais de 30 fases de Gungrave. Ou seja, não há a necessidade de se apontar, e principalmente de forma tão gritante, o único caminho a ser seguido pelo jogador. Sequer as fases são grandiosas, nos obrigando a procurar bem ao nosso redor para onde devemos ir. Não! Muitos e muitos trechos do game são meramente corredores. Basta se ir em frente e pronto.

A outra função da simbolização, a função não visível, é que ela demarca os momentos em que o jogo é salvo. Mas o que aconteceu com o simples aviso de jogo sendo salvo com um ícone no canto inferior ou superior da tela ou com uma simples notificação escrita aparecendo e que chama bem menos atenção?

E se há coisas demais sobrando na tela, como a simbolização citada acima, também há coisas de menos ao longo de pelo menos uns 75% do game. São poucas fases que podemos nos lembrar ou ter em algum destaque. A maioria dos cenários são – como outrora falou-se aqui –, pequenos em tamanho, sem outros caminhos e curtos de se atravessar.

Além disso, para qualquer pequeno desvio que tentemos fazer no cenário em busca de algum colecionável (não há nada a ser coletado, inclusive), o que veremos é o esvaziamento geral. Não há a sensação de vida ou a percepção de estruturas bem desenhadas. Enfrentamos, basicamente, os mesmos 8, 9 ou 10 inimigos durante mais de dez horas e em cenários que chegam a se repetir, mudando apenas as cores dos assets ou com alteração na fotografia do estágio.

Aspectos técnicos e problemas trágicos

Nem tudo é problema em Gungrave G.O.R.E. O jogo pode ser experienciado em seu modo qualidade, com 4K, ray tracing e com 30 quadros por segundo (FPS), ou ainda no modo desempenho, com 4K e 60 quadros por segundo. E é só isso mesmo. Não é que seja uma qualidade, como sabemos. Esses modos são padrões em quase todo jogo lançado nos últimos anos. É que não foi possível encontrar nenhum aspecto elogiável do game e resolvi iniciar o parágrafo como se eu fosse apresentar um. Peço perdão.

O design sonoro do jogo, que até poderia ter algum destaque positivo em um game que se propõe a executar a mesma mecânica de atirar sem parar, também sofre por conta do design de gameplay. Em incontáveis momentos, o design se mostra falho porque, não raramente, o som dos tiros e das rajadas de bala são sobrepujados pela repetitiva música de cada estágio. Não conseguir ouvir os próprios disparos em um jogo que basicamente possui atirar como mecânica básica é um atestado de fracasso.

E já que falamos sobre a constante repetição das trilhas sonoras de cada estágio, sejam estágios que durem cinco ou vinte e cinco minutos, as OSTs (original soundtracks) de Gungrave G.O.R.E. são programadas para executar em modo repeat. E isso, entendam, é algo muito mais problemático do que se possa imaginar. A cada encerramento da trilha instrumental, temos um silêncio de cerca de 1 segundo até que a mesma música volte a tocar da mesma forma e do início ao fim.

Vergonhosamente, não houve sequer a preocupação de se programar um fade out sonoro antes do fim de cada trilha. Ou um fade in no início de cada uma. Simplesmente ativaram a opção de repetir e isso se torna bastante perceptível em todas as fases.

Calma lá, leitor(a), ainda não acabamos. Se o design sonoro e as trilhas são mal executadas, há mais. O jogo busca lhe interromper. Parece até gostar. Se, para acessar o Laboratório para liberar suas habilidades, precisamos sair do jogo, há uma odisseia para executar cada coisa. Nos primeiros estágios, há uma constância: em quase todas as salas/corredores seremos interrompidos por pop-ups que nos dirão, com um tutorial de várias telas, como apertar um ou dois botões para realizar determinada ação.

É algo que se torna ainda mais chato quando percebemos que ler os tutoriais por fase chega a demorar mais tempo do que para se terminar cada estágio. É algo que corta toda a fluidez de um jogo que já não é fluido em nada. Sem contar que apenas atirar acaba sendo a ação mais básica, não havendo necessidade de outras firulas pois a própria obra nos empurra para termos ações mais rápidas. Chega um ponto em que só queremos terminar ou desistir logo, pois é tudo enfadonho e repetitivo.

A falta de sorte da talentosa Ikumi Nakamura

Inicialmente, algo me chamou no lançamento do jogo. Alguém com uma visão muito peculiar e competente para pensar e desenhar personagens e mundos estava envolvida em Gungrave. Seu nome é Ikumi Nakamura. Para quem quer conhecer um pouco mais sobre a Ikumi, trouxe algumas linhas sobre ela em minha review do game Ghostwire: Tokyo, no qual ela atuou, antes de sair da equipe do game, como diretora criativa.

Entretanto, ser responsável pelo refinamento visual de personagens que serão pré-renderizados em CGIs realmente bonitas não fariam de Gungrave G.O.R.E. um jogo com uma gameplay mais atrativa. O trabalho de Ikumi, por melhor que seja, não salva o jogo de ser um fracasso em muitos aspectos.

Nota
Geral
4.0
gungrave-g-o-r-eGungrave G.O.R.E. é problemático, nada divertido, longo em demasia, com personagens chatos, design sonoro falho e uma história que, por mais que fosse a melhor já escrita em uma obra de videogame, pouco teria efeito para fazer com que o produto final pudesse crescer aos olhos de quem joga. A agora despertada franquia, quando estava adormecida, tinha bem menos potencial de errar do que agora.