Em determinado momento de uma batalha consideravelmente tensa e na qual eu já havia utilizado meus dez itens de recuperação de vida, um inesperado milagre rompeu a tela.

Ao enfrentar o ‘kemono’ que guardava a primeira ilha que eu precisava desbravar, um ‘karakuri’ se montou diante de mim, mostrando como eu conseguiria atingir a criatura com mais impacto, encurtando a duração da batalha para um personagem já prestes a ver a tela de game over. Por sorte, eu não me sentia só. Meu ‘tsukomo’ bravamente chamou a atenção para si, evitando com que eu fosse atacado por golpes letais outras antes do tempo.

Apesar de termos como kemono, karakuri, tsukomo poderem soar estranhos aos jogadores, com pouco tempo de jogabilidade de Wild Hearts, logo passaremos a nos acostumar com tais palavras e outras que rondam e habitam o universo do jogo.

Desenvolvido pela Koei Tecmo e Omega Force, e distribuído pela EA através do selo EA Originals, ao jogador familiarizado com os jogos da franquia Monster Hunter, da japonesa Capcom, é impossível não enxergar as brutais semelhanças entre os dois títulos.

Ainda assim, Wild Hearts consegue se apoiar sem muletas e possui, no desenrolar de sua história e do seu gameplay, elementos próprios que enriquecem internamente estes dois aspectos citados.

Na história, controlamos o típico avatar silencioso que poderá representar a todos nós justamente pela falta de emissão de palavras. A substituição se dá como já ocorre em jogos similares: o protagonista apenas manifesta algumas expressões faciais e movimentos, além de escolher determinados caminhos de respostas em diálogos que vão surgindo quando dois ou mais personagens se encontram.

Após a escolha do avatar/personagem, nosso destino é ir cumprindo as missões principais que envolvem livrar as ilhas em que se está a cada momento. Cada uma destas ilhas é rica em biomas: vemos espécies de plantas e animais diferenciados ao longo de cada uma, bem como os NPCs espalhados por conglomerados que também apresentam uma profunda diversidade de costumes, lojas, pontos de interesse e mais.

As conversas com os moradores de cada ilha são facilitadas para o jogador não habituado com a língua inglesa. O jogo veio não apenas localizado em nosso português, como algumas adaptações para a nossa língua de nomes de itens ou de personagens soam naturais ao ponto de agradarem e causarem curiosidade por outros termos que leremos em tela. O kemono que é um roedor florido, por exemplo, foi apropriadamente nomeado como Roeflor.

Decisões assim mostram que o trabalho feito pelas equipes nacionais foi dotado de um cuidado extra para traduzir os termos da forma mais agradável para os jogadores.

Aventureiros das ilhas proibidas

Claramente, as ilhas não são para nós. Elas possuem donos e nós somos apenas os destemidos habitantes que ousarão destronar os kemonos. Esse sentimento de uma pertença que ainda não está em voga é atrativo pois nos desafia a seguirmos explorando as ilhas, seus segredos, habitats, construções e muito mais na busca de itens e segredos.

Falando em itens e segredos, o jogo apresenta uma infinidade de armas à disposição para que tracemos nosso próprio caminho em cada batalha.

Há marretas, espadas, guarda-sóis, arco-e-flecha e mais. Para incrementar ainda mais as nossas possibilidades de ataque, cada arma possui uma gigantesca árvore de transformações em que podemos mudar e combinar aspectos que a tornem ainda melhor nas batalhas contra os kemonos.

Pelo tamanho colossal de alguns inimigos, pode ser que o jogador se sinta direcionado a atacar de distâncias mais longas. Em meu caso, como Wild Hearts primeiro nos direciona a usar uma arma de curto alcance, foi uma sensação libertadora quando pude começar a evoluir o meu arco. Contudo, por motivos da própria jogabilidade, joguei a maior parte das minhas horas com a gigantesca (e lenta) marreta, pois ela é uma arma que, dosada com a rapidez para desviar, recuar ou avançar, pode ser muito útil em batalhas mais longas e difíceis.

Um dia é da caça. E os outros, também

Na ânsia de melhorar o nosso personagem frente à descomunal letalidade dos inimigos, as caças surgem como a maneira crucial para evoluir nossas armas e armaduras. Sempre que possível ou desejável, o jogo oferece os desafios de caça para que o jogador possa testar suas habilidades, reflexos, golpes, armas, karakuris e demais estratégias. Em alguns casos, até para que seja possível se parear o nível de desafio com o nível do jogador supostamente mais elevado diante de um confronto contra um inimigo já vencido, há uma dosagem numérica a mais para o inimigo, que pode vir em dupla.

Caçar é o caminho mais prático para realizar os upgrades necessários e desejáveis no personagem. Pode-se evoluir a armadura, as armas ou ainda se conquistar itens que serão utilizados para a fabricação de novos equipamentos. Além disso, é uma maneira não-punitiva de testar armas novas em desafios em que já são conhecidas as dinâmicas daquela batalha. Se outrora foi árduo vencer um inimigo que voa com uma arma de duas mãos bastante pesada, por que não tentar o arco e flecha?

Karakuris existem porque viver não basta

Os karakuris podem radicalizar todo e qualquer confronto. Com eles, que podem ser utilizados para diversos fins, uma batalha poderá ter bem menos dificuldade que o usual. Assim, quando o jogador aprende a usar seus karakuris, qualquer inimigo, por maior e mais forte que seja, poderá sucumbir diante do jogador.

Existem alguns que podem ser usados antes mesmo de qualquer batalha, como o karakuri que é um radar de kemonos pela ilha. Outros, porém, são utilizáveis em confrontos, como a tirolesa, o trampolim ou um dos meus preferidos: o muro de caixas, como o apelidei.

Kemonos, a última fronteira

Enfrentar um kemono é, como em Monster Hunter e suas criaturas, a melhor parte do jogo. Não há muitas regras: a forma de enfrentar o inimigo é de total escolha do jogador. A batalha pode ser realizada de longe, bem de perto, com o amparo dos karakuris ou sem. Nos conflitos, cabe ao jogador sentir que dinâmica de ação poderá ser a mais útil no momento.

Os karakuris, inclusive, ao jogador menos tático, podem atrapalhar mais do que ajudar. O ataque de um inimigo pode ser letal e veloz o suficiente para deixar o jogador atordoado, fazendo com que a única alternativa seja correr, desviar ou buscar um espaço seguro para se usar o item de recuperação de vida.

Nas batalhas, um vislumbre de Shadow of the Colossus poderá ser sentido. Os kemonos possuem pontos fracos que são alcançáveis quando uma parte de sua carapaça é suficientemente atingida, derrubando alguma proteção e sendo possível se visualizar um dos vários pontos fracos luminosos que um kemono pode ter.

Em horas assim, o jogo se torna ainda mais eletrizante. Tentar se agarrar nas patas, pernas, asas ou couro dos kemonos para acertar o ponto fraco é deveras desafiante porque as criaturas reagem veloz e fortemente, facilmente atirando o jogador que se demora dependurado para longe.

A originalidade é a benção e o desafio de Wild Hearts

O mais curioso da utilização dos karakuris nas batalhas é que nem sempre, justamente, utilizá-los oferece a melhor das saídas. O combate manual, apenas a partir do uso das armas e itens de cura, em muitos casos, pode oferecer melhores chances de vitória.

Ainda assim, saber bem utilizar os karakuris deixará os confrontos muito mais fáceis. Ao fim, é no seu quesito de jogabilidade mais original que Wild Hearts brilha e, ao mesmo tempo, se anula.

Nota
Geral
6.5
wild-heartsA partir da emulação de mecânicas consagradas, Wild Hearts consegue se sair bem por não ter tanto o que inovar. E, no que inova, paralelamente, também conta negativamente para si. O fator desafio é um estimulante para que o jogador conheça mais de cada ilha/mapa e também evolua melhor seus itens, tornando o jogo um pouco mais fácil (até que se chegue na próxima ilha e o desafio evolua). Uma ótima pedida para quem quer se aventurar em um jogo com parentesco distante do megassucesso da Capcom.