Uma mulher, na altura da meia idade, enquanto se maquiava pela manhã em seu banheiro para comparecer em uma importante reunião com François Hollande, então presidente da França, é vendada, rendida, têm seus pés e mãos amordaçados e o seu corpo é amarrado em uma cadeira. Presa em sua própria casa, ela é também vítima de um estupro ao ter um objeto introduzido em si. Ela acaba ficando nesta situação por cerca de seis horas, até que a empregada da sua casa a encontre.

Com a chegada da polícia e também do seu marido, Maureen Kearney é então levada para o hospital e, após a realização de exames que verificaram os danos causados ao seu corpo e psicológico, tendo ela já sido vítima de abuso sexual na altura dos seus vinte anos, Maureen solicita caneta e papel para tenta rememorar, antes que o abalo psicológico lhe roube ainda mais as infelizes lembranças daquela manhã, um passo a passo do que lhe ocorreu.

Quando ela começa a descrever a sua rotina naquela manhã seguida de uma série de crueldades, A Sindicalista (2023), dirigido por Jean-Paul Salomé, volta meses antes para que possamos conhecer um pouco mais sobre a líder sindical Maureen Kearney, interpretada por uma das rainhas do cinema mundial, a francesa Isabelle Huppert.

De forma promissora, A Sindicalista, que é baseado em uma história real, inicia com este rompante de thriller de mistério que vai inserindo camadas de espionagem industrial, desavenças políticas e conflitos geopolíticos a partir da atuação de Maureen em defesa das mulheres trabalhadoras e sindicalizadas da Avera, a empresa de energia nuclear na qual a protagonista atua. A Avera, em um processo de troca de sua direção, substitui Anne Lauvergeon, que mantinha relações profissionais com Maureen que permitiam a atuação mais progressista e trabalhista da sindicalista, pelo afobado e enraivecido Luc Oursel, que inicia sua gestão cortando oportunidades para que as mulheres, na Avera, pudessem ascender profissionalmente a partir da equiparação de oportunidades.

Obviamente, o choque inicial entre Oursel e Kearney dará mote ao filme, embora não só isso, visto que atuação da líder sindical faz com que ela comece a descobrir segredos do passado e do presente da Avera e de seus antigos e atuais funcionários.

O novo chefe, nos bastidores, age para que haja uma abertura de mercado da empresa para que acionistas chineses possam se apoderar dos negócios, pondo em risco os empregos das e dos franceses que ocupam postos de trabalho na Avera.

Maureen, assim, ao mesmo tempo em que publicamente precisa agir para defender o emprego e o direito dos trabalhadores, nas sombras, precisa também agir para que os ultrapoderosos não ponham em risco o emprego de incontáveis trabalhadores franceses.

Apesar de contar com algumas saídas fáceis no roteiro que apresentam uma série de personagens arquetipados, a ilustre presente de Isabelle Huppert, uma das maiores atrizes da sua geração, bonifica o espectador com a sua atuação que nos faz crer e descrer nas falas, relatos e na memória de Maureen de um instante para o outro. Transitando entre a descomunal força para lutar socialmente por suas colegas ao mesmo tempo em que exibe, por motivos diversos, uma fragilidade corpórea no decurso do filme, Huppert mostra, sem tantas exigências para com a sua personagem, porque é uma atriz tão diferenciada.

O melhor protagonista depende muito do tamanho das maldades dos seus antagonistas. Sendo assim, uma das artimanhas usadas pelos adversários da líder sindical é descredibilizar suas falas e relatos. Ela, constantemente perseguida e vigiada, é a sitting duck do título em inglês da obra (o pato sentado é a representação de alvo fácil, como os patos sentados que ficam à disposição de serem atingidos por balas de festim nas disputas de prêmios em parques de diversão). Por ser mulher, e ainda mais uma mulher em uma posição de poder, ela é desacreditada e precisa provar, mais que qualquer um, o dobro de coisas de uma pessoa comum precisa para que minimamente ela possa receber o direito de ser ouvida.

Nesse sentido, a forma persecutória e vilanesca com a qual Maureen é vítima, lembra bastante um outro caso real e que também envolvia uma mulher em posição de poder: a promotora Marcia Clark, que trabalhou no polêmico e mundialmente famoso caso que envolveu o ex-jogador e ex-ator O. J. Simpson, em meados dos anos 90, nos Estados Unidos.

Como fizeram lá atrás com Marcia Clark, também fizeram com Maureen Kearney: taxaram-nas como loucas e violentaram seus corpos psicológica ou fisicamente, expondo ambas em toda a rede de televisão dos seus respectivos países e em suas respectivas épocas.

Filmes como A Sindicalista servem como um farol que nos lembra que, sim, histórias reais conseguem, muitas vezes, serem bem mais cruéis que histórias fictícias que são criadas puramente para espantar e por medo. Os acontecimentos que permearam a vida de Maureen Kearney, em todo o seu desenrolar de anos e anos, mostram como segredos industriais, de forma vil e desumana, são considerados muito mais importantes que a vida e a saúde de centenas ou milhares de pessoas.

Nota
Geral
7,5
a-sindicalistaImpactante história real sobre um bizarro caso que se transformou e se alongou em coisas muitos piores, A Sindicalista funciona em vários aspectos: seja como filme de tribunal, como drama familiar ou como thriller de suspense. Para além disso, conta com uma atuação por vezes minimalista, mas não menos impactante, da grande Isabelle Huppert.