Desafiar as convenções fílmicas era algo que eu não esperava que fosse testemunhar ao assistir Tesla, a cinebiografia do mago da eletricidade austro-húngaro nascido em 1856, cuja importância para definir a maneira como vivemos hoje é imprescindível.
Ainda assim, apesar de ter revolucionado a forma como vivemos, Tesla morreu, já no século 20, em 1943, praticamente tão “desimportante” quanto ele era antes de surgir para o mundo. Era um tempo crítico, em meio aos confrontos da Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, cerca de duas mil pessoas se despediram dele em seu derradeiro respiro.
Em vida, Tesla chegou a disputar a sua própria “guerra”, conhecida por Batalha das Correntes. Antes de consagrar-se em voo solo, ele chegou a trabalhar na companhia de Thomas Edison, outro renomado e histórico inventor. A parceria entre eles, no entanto, pouco durou. Motivada pela descrença de Edison nas correntes alternadas propostas por Tesla, uma acirrada desavença cognitiva culminou na saída de Tesla da Edison Machine Works, a empresa de Edison, apenas cerca de seis meses depois da chegada do inventor bigodudo.
O conflito gerado entre as correntes alternadas e as correntes contínuas (AC/DC, do inglês, igual ao nome da banda) mudou para sempre a vida cotidiana de todos os habitantes da terra. Historicamente falando, a coragem e a engenhosidade de Tesla foram os fios propagadores responsáveis por inúmeras mudanças na forma como nos comportamos e vivemos, visto que suas invenções e patentes, entre outras coisas, são responsáveis pela criação da primeira usina hidrelétrica do mundo e até mesmo a implantação de elevadores em prédios ou a criação de eletrodomésticos cada vez mais portáteis.
Como Edison era antagonista às ideias e ideais de Tesla, ele tratou de manchar a reputação do seu ex-empregado. Em certa ocasião, Edison organizou um mini evento público para que um condenado à morte fosse eletrocutado em uma cadeira elétrica que usava correntes alternadas. O desenrolar desta ação foi desastrosa e, mesmo após os choques de alta voltagem, o condenado, ainda vivo e bastante fritado pelos choques, agonizava. Até que uma nova carga de voltagem fosse solicitada para finalizar a vida do homem, não antes que o cheiro de carne viva já não estivesse disseminado entre os presentes.
Foi somente quando saiu da Edison Machine Works, e ao conhecer o empresário George Westinghouse, dono da Westinghouse Electric Company, que Tesla conseguiu um financiador para as suas empreitadas.
Todo o trato histórico da vida de Tesla, ainda que com passagens breves de sua vida pessoal, está no filme. Ainda assim, passando bem longe de ser tanto um filme de época convencional como também uma cinebiografia corriqueira, Tesla, esta obra cinematográfica, opta por saídas que o tornam quase uma anti-filme de época ou uma anti-cinebiografia. Não que o filme demonstre ter qualquer tipo de contrariedade com as formas habituais de se dirigir, roteirizar, produzir, fotografar e realizar a direção de arte de filmes de época. O filme apenas opta por criar subterfúgios – bem vindos, por sinal – para contar e estilizar sua história de outra forma.
Não à toa, desde o início de filme, ao vermos Tesla andando de patins em um palacete, isso pode nos causar certo desconforto. Não é um item comum aos filmes de época, principalmente em se tratando de uma cinebiografia. Com menos de dez minutos, outras duas ou três coisas disruptivas àquele tempo histórico vão clamando por nossa atenção.
Primeiro, uma citação direta ao cantor Bob Dylan. Da forma despretensiosa como é posta pela narradora, a priori, pode apenas ficar parecendo que foi uma utilização necessária de uma frase de alguém que sequer havia ainda nascido.
Pouquíssimo tempo depois, vemos a própria narradora do filme, ela também uma personagem, utilizando-se de um notebook para realizar uma pesquisa sobre Nikola Tesla no Google. Nesse ponto, caso anteriormente não tivesse ficado claro que a obra buscava esse choque tecnológico em relação ao tempo-espaço em que se passava, não era mais possível se ausentar de tal entendimento.
Tais choques no tempo-espaço histórico e tecnológico servem para já ir adaptando o espectador com o que virá a seguir no filme. Em certo momento, pois bem, ao vermos Thomas Edison tirar um smartphone do bolso para utilizá-lo, o estranhamento é, se não nulo, bastante menor. Com isso, o filme vai treinando o seu espectador para aguardar algo ainda mais disruptivo.
Quando um certo personagem, em uma espécie de limbo espiritual, começa a cantar Tears for Fears ao microfone, eu já estava completamente absorto pelo modus operandi do filme. Ao nadar contra a corrente, para além de mostrar que Tesla era um pensador e cientista à frente do seu tempo, o filme consegue aparelhar tecnologicamente certos momentos justamente para mostrar que Tesla, tendo tido mais apoio pessoal e financeiro, talvez conseguisse apresentar certas invenções e patentes que vieram apenas tempos depois.
Com esse ar quase steampunk pela forma como encaixa aparatos tecnológicos bem antes do seu tempo histórico correto, Tesla tem ainda uma interpretação dupla de Ethan Hawke, o seu protagonista. Em certos momentos em que o filme opera na base do contexto histórico e direção de arte condizentes com a época, a atuação de Hawke preza por ter mais habilidades verbais, com o protagonista conseguindo se comunicar melhor com os seus interlocutores.
Já quando o filme apresenta as suas disruptividades tecnológicas em relação à extemporaneidade das invenções e aparelhagens, o ator opta por imergir em uma persona mais deslocada e por vezes descentrada dos fatos retratados. Ora, se Tesla era um homem à frente do seu tempo, nada garante que ele seria totalmente integrado ao seu tempo futuro, e essa persona deslocada consegue retratar bem isto.
A direção de Michael Almereyda aposta em uma excentricidade controlada, que sabe quando deve surgir em cena e quando deve ausentar-se. Desse modo, de forma segura, o diretor consegue reger seu elenco entre o contemporâneo e o extemporâneo de forma simples e habilidosa.