Muito se temia que Starfield (desenvolvido pela Bethesda) pudesse ser eclipsado por problemas que foram vivenciados em outros jogos da desenvolvedora. Felizmente, não é o caso. A experiência que este jogo entrega, para além de satisfazer os fãs de jogos sandbox e ficção científica, irá satisfazer a comunidade gamer em geral.

E se você não está preso em uma surreal console war para disputar qual o exclusivo maior, melhor e mais impressionante, faça um favor a si mesmo: jogue Starfield.

Lançado oficialmente nesta quarta-feira (06), Starfield não se tornou um marco para a Xbox e Bethesda hoje. Na realidade, tudo que envolvia o jogo, já de muitos anos atrás desde o seu anúncio, era uma premissa do que hoje, no mundo afora, milhões de jogadores estão atestando em suas casas. Se Starfield logrará espaço dentre as principais franquias da Bethesda, essa ainda era uma resposta que não tínhamos. Desde quando ele saiu em acesso antecipado no último dia 31, muita gente já andou descobrindo.

Pode-se dizer, agora, que a obra veio para demarcar um território profundo para a marca e o catálogo do Xbox. Há poucos meses, para quem não lembra, outro potencial exclusivo de peso da empresa, fracassou. Lá em primeiro de maio, quando saiu, inclusive sob a batuta da mesma Bethesda, embora desenvolvido pela Arkane Studios, Redfall não vingou. Na verdade, o jogo vampiresco se viu em meio a um oceano de memes sobre seus diversos problemas.

Havia o temor, portanto, que a mesma coisa acontecesse com Starfield e a empresa de Bill Gates, que, por conta de um possível ano ruim, se visse em maus lençóis. Não que o ano de 2023 tenha sido totalmente dourado para a rival maior, a Sony, com o seu Playstation 5. Só que, se pararmos para analisar, ao menos financeiramente, o Playstation goza da liberdade de ter alguns tantos milhões de consoles vendidos a mais do que a Microsoft com os seus Xbox Series S e X.

O CAMINHO DAS ESTRELAS

Apesar da atmosfera similar ao planeta Terra, este, aqui, extinto, Starfield ocorre em outros tempos e espaços. Outra coisa a se notar, e isso está por trás do “mapa da vida” do personagem, é que ainda insiste, existe e resiste, mesmo assim, o sistema de trabalho de três séculos atrás (Starfield se passa em 2330).

Nestes 307 anos depois, com exceção dos avanços interplanetários e o exercício futurístico-tecnológico de certos elementos, pouca coisa parece ter realmente mudado. O homem explora o homem e estes últimos exploram a natureza e o espaço. E como o jogo é moldado com base na exploração interestelar/espacial, cabe, ao jogador, a tarefa de buscar mais recursos (para si ou não) em outros locais.

A Terra, esqueçam-na, não existe mais como pensamos. Se é um prenúncio ou não de algum breve ou longo futuro, jamais saberemos. Ainda assim, nosso jogador, que, como outros jogos da Bethesda (The Elder Scrolls e Fallout) oportunizaram, pode ser a nossa réplica física e, de repente, até mesmo pessoal. Pois, além do farto sistema de modelação de personagem — que aqui alcança um nível impressionante —, também como nas franquias há pouco citadas, permite a caracterização bastante específica da nossa personalidade.

No caso de Starfield, podemos alterar aspectos profundos do nosso personagem. Não estamos falando de apenas se “fabricar” um rostinho bonito. Existe toda uma complexidade no desenvolvimento do caráter, que passa pela escolha de um histórico de vida (são cerca de duas dezenas de possibilidades), os perks (os atributos também já conhecidos de outros jogos) e, de forma in-game, o estabelecimento das habilidades. Ao jogador, depois de estabelecido o histórico e os perks, todo o resto se dará dentro do jogo em si.

SUSPENSE, FICÇÃO CIENTÍFICA, DRAMA

É difícil enquadrar Starfield em um só gênero. Ele não busca uma só coisa, diga-se de passagem. O que temos aqui, ora, caminha por distintos gêneros. Tudo que envolve o trajeto espacial da narrativa, além do esperado clima de sci-fi opera, envolve também um suspense novelesco. Novelesco, é preciso dizer, no melhor dos sentidos. Uso-o no sentido de que cada planeta é um “capítulo” por si e cheio de nuances da obra.

A cada planeta ou sistema que visitamos, têm-se toda uma apreensão sobre o que pode estar a 500 metros ou 5 quilômetros de distância. Esse suspense seriado, ou novelesco, é agradável ao senso de aventura dos jogadores.

As minhas primeiras seis ou sete horas de jogo, por exemplo, foram investidas em basicamente dois planetas. É claro que nem todos ou mesmo a maioria dos planetas não levarão este tempo de gameplay para serem explorados. Há algum tempo, divulgado amplamente pela própria Bethesda, foi que, dos mil planetas do jogo, apenas 10% deles são realmente habitados com pessoas/animais e possuem problemas a serem resolvidos e quests a serem feitas. Mesmo assim, nada prende o jogador que resolva sair visitando tudo para buscar um algo a mais.

UM FPS DE MÃO CHEIA E BOLSOS NUNCA VAZIOS

Estar em meio ao Battlefield do jogo nos envolve em uma sensação única de agência sobre o personagem. Quase que constantemente, ao menos inicialmente, há a exigência de que poupemos cada bala e fucemos cada baú ou armário em busca de uma sofrida nova arma com balas no coldre. Com o tempo, contudo, assim como evoluímos e vamos aprendendo a interagir melhor com o nosso inventário, há tanta bala que, não estranhem, iremos guardá-las em nossa nave ou doá-las a algum dos companions do game.

Mas, mais balas, também significa que teremos novos e mais difíceis desafios pela frente. Em alguns planetas, a vontade de explorar irá nos colocar diante de inimigos que possuem o dobro do nosso nível. Ou seja, precisaremos “esponjar” o inimigo de balas com uma constância maior. Sem falar que, claro, eles nunca vêm sozinhos…

Para isso, ao jogador mais econômico e ciente das suas escolhas, talvez as batalhas fiquem entre o estratégico e o insano. Com uma arma de longo alcance, muitos conflitos são vencidos sem grandes estresses. Contudo, em ambientes mais fechados, armas de longo alcance servem tanto quanto as mãos nuas diante de um Deathclaw em Fallout. Praticamente nada, no caso, sem o devido investimento em perks físicos.

A gestão do inventário, nesse sentido, é algo primordial para o avanço no jogo. O jogador mais apressado, provavelmente sofrerá bastante. E aqui, diferentemente de Fallout e The Elder Scrolls, ao menos nas dezenas de horas que joguei, nosso personagem não fica lento e se arrastando enquanto está com excesso de peso. Na verdade, ainda segue existindo, por exemplo, a incapacidade de se realizar viagens rápidas quando o inventário pesa além de sua capacidade.

Só que, no caso de Starfield, temos dois diferenciais cruciais em relação ao elemento do peso. Como se trata de uma obra espacial, o oxigênio e as vestimentas que usamos em determinados planetas são essenciais à nossa sobrevivência. Ou seja, com o peso além da conta, para que o jogador possa continuar correndo (e sim, podemos seguir correndo mesmo com peso extra), o personagem puxará mais oxigênio para si, fazendo com que nossa respiração fique cada vez mais densa, cansativa fisicamente e, ao fim dela, punitiva.

Apesar da barra de oxigênio voltar ao normal com alguns segundos, consumi-la ao máximo por conta do peso exigirá mais da barra de HP do jogador. Com isso, o excesso de peso é o cigarro do game: ele mata.

A decisão de permitir ao jogador que ele siga correndo, porém, importa mais do que percebemos inicialmente. Estamos falando de uma obra magnânima, interestelar, imensamente recheada de locais para se ir. Dessa forma, com um planeta inteiro cheio de recursos, é natural que nossos bolsos nunca fiquem vazios. Na realidade, estão quase sempre cheios.

Assim, ao permitir que sigamos correndo, a Bethesda tomou uma decisão que é uma das mais acertadas de Starfield. Seguir correndo permitirá que possamos, principalmente em um planeta mais inóspito, logo chegarmos à nave ou entreposto (estruturas que podemos construir ou já existem construídas nos planetas). Além disso, sabiamente, dentro das naves, ou ao menos na nossa primeira, a Frontier, existem dois compartimentos de carga. Ao jogador que não achou algum ou mesmo ambos, eles estão nas laterais da nave, bem próximos do assento do piloto. Um deles, que é mais básico, guarda só algumas poucas dezenas de quilos. Já o outro compartimento, mais robusto, pode guardar centenas.

No mais, ao jogador que realmente extrapolou todos os limites até mesmo dos compartimentos, cada companion do jogo pode carregar cerca de 135 quilos de itens e recursos. E o jogador poderá andar, na nave, com mais do que apenas um. Além disso, dentro da própria nave, como nas duas franquias da Bethesda anteriormente citadas algumas vezes ao longo desta crítica, há ainda as máquinas/utensílios de fabricação. No jogo, podemos melhorar nossas armas, cozer alimentos e fabricar diversos outros tipos de coisas. Com isso, ao fabricarmos algo, estamos gastando, por vezes, dois, três, quatro ou mais recursos em prol da confecção de um. Em tantos casos, o que é criado é mais leve do que a soma das suas partes, fazendo com o que jogador tenha e leve menos peso consigo.

A VIDA, O UNIVERSO E TUDO MAIS

Starfield, embora aqui sem revelar muito, é aquele tipo de jogo que guarda segredos que estimulam o lado mais curioso e impressionante de nós. É difícil, ao avistar uma estrutura estranha, não se ter a vontade caminhar, correr e pular até ela (o jogo, infelizmente, ainda não nos deixa usar a nave nos planetas).

Ele testa o velho conselho “não faça isso”. Obviamente, o jogador vai lá e faz. Neste sentido, a exploração em Starfield ocorre de maneiras impressionantes e geograficamente instigantes. Horizontal ou verticalmente, Starfield opta por nos impressionar a todos os instantes da sua gameplay. Este caráter impressivo da obra, entendam bem, não é algo que o jogo, necessariamente, apenas vai lá e atira estruturas e ambientes bonitos para afetar emocionalmente o jogador. É algo a mais, é algo além.

E há um fator hilariantemente divertido no gameplay e na narrativa do jogo. Em muitas missões que recebi para adentrar outros sistemas e planetas, ao neles chegar e pousar minha nave, o objetivo principal, por exemplo, estava há 50 metros de mim. A depender da atmosfera e do clima do ambiente, bastaria literalmente um pulo para que eu chegasse ao local do objetivo marcado.

Por outro lado, vejam só a ironia. O jogo faz isso com um propósito bastante perspicaz — além da audácia em talvez “desperdiçar” um planeta com um jogador afoito que vai entrar lá, cumprir a missão e então rumar para outro planeta. Starfield está jogando um objetivo na frente do jogador para testar o seu nível de curiosidade e o famoso “e se?”.

E se, ao cumprir a missão designada inicialmente, eu for naquela caverna que está bem ali, a apenas 300 metros de mim? Pois bem, não raramente, o jogo da Bethesda faz isso algumas tantas vezes. Esse tipo de intenção, na realidade, e em uma análise mais fria, mostra algo que precisa ser debatido e congratulado: a confiança de toda a equipe de desenvolvedores, bem como a capacidade ‘instigativa’ (instigante e investigativa) de Starfield.

A Bethesda, nesse sentido, brilha. Ela, com Starfield, além de entregar uma obra polida (ainda não 100%…), eleva a moral da marca Xbox, que, agora, e também nos próximos anos, ao menos com a Bethesda, possui uma missão ainda maior, ou duas: entregar os dois novos Fallout e Elder Scrolls com, no mínimo, o salto gráfico que foi dado aqui, em Starfield.

Apesar de não termos um anúncio de um novo Fallout, lá em 2018, junto com Starfield, houve o anúncio (com um trailer em CGI básico) de The Elders Scrolls VI. Agora que Starfield saiu, existe ainda a DLC Shattered Space no horizonte. Durante a sua produção, que já deve estar a pleno vapor, e que não necessita do mesmo quantitativo de devs em seu desenvolvimento, é provável que a maior parte do time Bethesda esteja nos trabalhos com a sua IP de fantasia medieval preferida de muita gente.

No entanto, é tempo de Starfield. De viajar, explorar, descobrir e ser descoberto nas maravilhas que este jogo guarda.

 

Nota
Geral
9.5
starfieldObra titânica, Starfield é um acontecimento que há anos, ao menos com suas grandes franquias de tiro ou FPS (Halo e Gears of War), a Xbox não vivenciava. Com Starfield, a Bethesda atrai para si muitos olhares e prepara, por enquanto, um sólido terreno. Despertando assim, como tão bem fez na narrativa de Starfield, a curiosidade da comunidade gamer para o que vem aí da empresa.