Atualmente, a arte do videogame tem ficado cada vez mais cinematográfica, com jogos com roteiros que são tão complexos, se não mais, do que nos cinemas. Mas nem sempre foi assim, jogos costumavam ser simples e com justificativas descomplicadas para uma jogatina divertida e com elementos que não careciam de verossimilhança com a realidade para funcionar. Grande exemplo disso são os jogos plataformas, sejam em 2D ou em 3D, na quais personagens tem que prosseguir por um cenário enfrentando inimigos, pegando itens, power-ups e acumulando pontos, com objetivo de chegar ao fim da fase, passar para a próxima e eventualmente enfrentar o chefão.
Todos esses recursos, não careciam de grande explicação que fizesse muito sentido, e estavam lá para gerar dificuldade para o jogador, ter propósito de entretenimento e/ou competitivo. O ouriço azul mais querido da décima arte, se encaixa nesse estilo de jogo, no qual, o visual “cartoonesco” e exagerado do protagonista (que é um animal), misturado a outros animais que seguem uma lógica mais realista, com a presença de humanos, incluídos com mapas de cenários lúdicos, anéis flutuantes coletáveis apenas para gerar pontos, esmeraldas que dão poder, são só exemplos que provam isso. E enquanto tudo isso tem uma finalidade para a mídia em que está inserido, se transportado para outra, como o cinema, perde completamente sua razão. Ao longo dos anos, os jogos do Sonic, conseguiram adicionar mais mitologia e histórias melhor elaboradas, mas ainda assim, o foco sempre foi a gameplay e não contar uma narrativa envolvente.
Portanto, transportar uma mitologia baseada em gameplay, para outra mídia, é um desafio e tanto. Nisso, Sonic: O Filme (2020), seguiu por uma linha de adaptação, que usa de alguns clichês e novos contextos, para criação de um novo universo-franquia. E por mais que, as diversas referências aos jogos, a adaptação de itens clássicos e outras ressalvas estivessem presentes, vinham acompanhada de um grande defeito, exclusivo dessa versão, criada justamente para tal; o núcleo humano.
Personagens desinteressantes, pedantes, com subtramas desprezíveis e que não complementam em nada o arco dos principais e a jornada como um todo. Parecia um grande potencial, que não podia ser atingido com todo o êxito por ter um grande empecilho no meio do caminho. Enquanto os momentos que a mitologia do Sonic eram explorados com maestria, a falta de conteúdo suficiente para um longa metragem gerava um preenchimento desnecessário que apenas incha e descredibiliza a franquia.
Pelo menos o primeiro longa, conseguiu incluir isso num roteiro mais redondo e palatável. Já em Sonic 2 (2022), parece que não tinham o suficiente para contar, e preencheram com tramas de pura “encheção de linguiça”. E pra piorar, a série Knuckles (2024), pega o pior dos dois filmes, e usa de muleta para a obra toda, deixando o personagem que carrega o nome da série de lado, ao ponto dele nem sequer ser o verdadeiro protagonista, e focar na vida do humano Wade, figura secundária dos filmes, que ganha os holofotes no lugar de quem realmente devia.
Felizmente, Sonic 3 consegue se livrar dessas amarras que fizeram o universo do ouriço nos cinemas ser tão pouco interessante. Aqui, provavelmente, graças a vinda de Shadow (Keanu Reeves), o foco da trama foi completamente alocado nos personagens corretos, reduzindo o núcleo humano praticamente a nulo, estando ali em bem menor escala e com aparições pontuais, apenas pra dar um check, mas sem preencher em excesso esse espaço que não deveriam ocupar, e com suas inclusões sendo muito melhor encaixadas na trama do anteriormente feito.
Os créditos podem ser dados ao ouriço anti-herói, pois o seu plano de fundo nos games já era extremamente mais cinematográfico e adaptável, o que fez com que a ligação com o restante do elenco de protagonistas e antagonistas, pudessem ter mais sustância para seus arcos, sem forçar conexões ou preencher com firulas.
Com o foco ajustado, os personagens têm chance de brilhar e ter seu propósito e função narrativa. Com destaque para a atuação de Jim Carrey que antes, era o maior atrativo dos longas antecessores, e que aqui segue brilhando, mas sem ser o maior destaque e sim, na mesma balança qualitativa que o restante do filme. E dessa vez, seu destaque vem em dobro, uma vez que atua com dois personagens: Robotinik e seu avô, dose essa que diverte e traz o melhor da essência do ator, encaixados numa adaptação de dois vilões essenciais, e dessa vez, com uma inserção de uma camada muito mais profunda em seus planos de fundo.
E o que mais traz substância em Sonic 3, é o fato dos personagens terem boas conexões, não apenas pelas suas personalidades diferentes, mas por motivações próprias que os interligam e geram ótimos conflitos. O peso de cada um importa, e isso é um avanço enorme para a saga Sonic nos cinemas.
O estilo do humor da franquia, ainda se mantém, bem como as referências da cultura pop. Mas dessa vez, menos forçado e melhor inseridos, já que não são colocados em constâncias exageradas para o público se sentir compensado e ignorar os problemas de falha de roteiro, como antes soavam. Dessa vez, conseguem não incomodar, tanto por menor quantidade, quanto pela qualidade do roteiro.
Por fim, a ação é empolgante e vibrante, fazendo o espectador ficar na ponta da cadeira enquanto acompanha lutas ao estilo Dragon Ball. Sonic 3, é não apenas uma excelente adaptação dos video-games do querido ouriço azul, mas também, uma evolução gigante de seus antecessores, se tornando esse, o melhor filme da franquia até então.