Usar bonitos adereços não faz ninguém ser belo apenas por isso. Da mesma forma, utilizar a roupagem visual de jogos consagrados, por si só, não transformará o seu jogo em um clássico do dia para a noite.

E em meio à enxurrada de títulos do presente que voltam seus olhos para o passado (para o fator nostalgia, mais precisamente), e bastante ciente disso, Matthias Linda, praticamente a única pessoa por trás do vasto e interessante Chained Echoes, parece ter o pensamento que mescla certeiramente a nostalgia, a onda de indies de um homem só que segue viva na indústria dos jogos e um certo olhar para o futuro, por que não?

E se esta crítica começa antes mesmo falando do seu criador, e não do jogo, é porque o trabalho de Matthias Linda à frente deste adorável JRPGlike de 16bits é admirável: ele dirigiu, roteirizou, escreveu as milhares de linhas de diálogos, fez a pixel art do jogo, é o game designer de CE, escreveu os códigos do game, criou as main (história principal) e as side quests (narrativas paralelas à história principal) e, segundo ele mesmo, mostrando que além de tudo é alguém bastante espirituoso, até as piadas ruins de CE partiram de sua mente.

Ainda assim, embora a trilha sonora não tenha sido algo em que ele trabalhou, é impressionante como praticamente uma só pessoa conseguiu entregar um jogo tão polido, imenso, cativante, cheio de camadas em sua história, no desenvolvimento dos seus personagens e que, ao mesmo tempo em que tece homenagens aos clássicos Xenogears, Suikoden II, Final Fantasy 6, Chrono Trigger e outros, consegue também se mostrar original em diversos aspectos.

E se nem todo jogo que adotou mecânicas e visuais de obras de sucesso deu certo e se consagrou, aqui temos uma obra incontestável diante da coragem de entregar algo profundo, sem tantas amarras narrativas e gigantesco em termos de duração de campanha, que pode durar cerca de vinte e cinco horas apenas em sua narrativa principal e quarenta horas para quem deseja explorar todo o jogo, seus segredos e as side quests.

Existe uma linha tênue entre ser apenas uma cópia do que antes já foi pioneiro e, realmente, inovar e entregar algo mesmo a partir de bases solidificadas por outras produções. Felizmente, ainda que olhe pelo retrovisor com carinho e devoção, Chained Echoes está buscando o seu próprio lugar ao sol.

A história das histórias: dragões, armaduras mecânicas, reis, traições e ladrões

A sinopse de Chained Echoes talvez não nos dê a dimensão homérica do que encararemos pelas diversas dezenas de horas de gameplay: “Ambientado em Valandis, um mundo de fantasia onde dragões são tão comuns quanto os trajes mecânicos controlados por pilotos, guie um grupo de heróis, ladrões e guerreiros enquanto eles exploram uma terra cheia de personagens encantadores, paisagens fantásticas e inimigos cruéis”. Foi preciso dar uma leve adaptada à sinopse oficial para que sejamos mais justos com o jogo, pois ele merece.

Falando em personagens, um aspecto muito interessante de CE é que ele não se furta em dar protagonismo a mais de um personagem. De tempos em tempos, o jogo nos surpreenderá e nos colocará no comando de um ou mais diferentes personagens. Afinal, com um enredo tão cheio de camadas, seus heróis e heroínas também podem e merecem ter tempo de tela para desfilar por suas narrativas, aventuras, próprias tramas e percalços.

Além do mais, cumprindo bem o seu papel de RPG no sentido mais tradicional do gênero, cada personagem, tendo tempo de tela o suficiente, vai se mostrando cada vez mais interessante e com oportunidades de cativar e surpreender à medida em que vão avançando as horas de jogo.

E, embora consigamos destacar um ou outro personagem por ter mais minutos e horas de interações, há ações e plots tão importantes com cada um da equipe que seria injusto dizer que alguém é relegado. Há momentos muito únicos e cheios de reviravoltas com a equipe inteira.

Em Chained Echoes, cada batalha é um confronto sem igual

No caso de Chained Echoes, estamos diante de um jogo que facilmente nos lembrará de JRPGs que fizeram sucesso não apenas no oriente, mas se estabeleceram bem entre o público ocidental, posteriormente moldando a composição de novos jogos de RPGs que adotaram o estilo ocidental.

Só que para marcar território, Chained Echoes, que é um brinde aos melhores JRPGs lançados ao longo de algumas dezenas de anos, não poderia se ater ao mais do mesmo puramente nostálgico. Com as bases solidificadas, era preciso se apostar em algo novo mesmo dentro do esquema de jogabilidade e narrativa mais usuais. E se, narrativamente, para se diferenciar de outros JRPGs lançados, há a coragem de contrastar a bela direção de arte com a inserção de palavrões e mortes mais violentas, é na jogabilidade que o jogo brilha.

Seus confrontos, embora sigam a conhecida lógico de turnos, apresentam um diferencial bastante único: o jogador pode apostar, sem medo de precisar repor após cada batalha, todo o seu poderio naqueles poucos ou muitos minutos que podem durar uma disputa.

Após a finalização de todo e qualquer confronto, os Health Points (HP) e o Tech Points (os Magic Points, aqui, são chamados de Tech Points) são, vejam só, regenerados por completo. Com isso, o jogador é profundamente estimulado a gastar todas as suas habilidades, com todos os personagens da party, em qualquer batalha, das mais fáceis até os grandes confrontos contra chefes.

Curiosamente, como o uso recorrente dos TPs é um diferencial e tanto em cada disputa contra inimigos, os ataques físicos ficam relegados ao terceiro escalão das batalhas. Terceiro, pois, incrivelmente, talvez usemos mais os itens de recarga de TP e HP e demais itens para livrar os personagens de efeitos danosos do que os ataques físicos em cada conflito.

É só quando os TPs esgotam que sobra espaço para ataques físicos. Ainda assim, a depender do personagem, há magias que consomem TPs individuais para realizar a recarga de TPs coletivas. É um quebra-cabeças que, se bem utilizado, facilitará as batalhas.

E se os TPs não forem suficientes, há uma árvore própria de habilidades para cada personagem que vai sendo liberada em etapas mediante o avanço no jogo. Os “galhos” da árvore vão desde o aumento de HP, resistência contra alguma condição negativa, como também o fortalecimento dos ataques contra algum determinado tipo inimigo ou ainda o ganho de novas magias de ataque, defesa ou cura.

Somando aos TPs e ataques físicos, existe também a barra de Ultra Move, um artifício de cada personagem que pode decidir muitos confrontos. Alguns Ultra Moves são ataques físicos, alguns são magias, alguns recuperam algo.

Por fim, os chefes são realmente desafiadores e envolvem uma logística em cada decisão de atacar, recuperar, usar um item ou usar uma magia especial. Cada escolha pode aproximar o jogador da vitória ou do game over.

O ‘por fim’ do parágrafo anterior não parece ser tão fim assim. O jogo ainda nos reserva uma surpresa antecipada logo em seu início. Tal surpresa demorará algumas longas horas para poder ser apreciada. Com isso, aqui encerramos como iniciamos, com o seu criador, que falou que a surpresa não poderia surgir fácil ou rapidamente. Para Matthias, o jogador deve sentir que mereceu a surpresa que recebeu…

Onde jogar?

Disponível para os consoles Playstation 4 e 5, Xbox One, os dois consoles da marca Xbox Series, PC e Nintendo Switch, Chained Echoes é uma grata surpresa que chegou ao fim de 2022 para seguir abrilhantando o ano de 2023 com uma gameplay cativante, diferenciada e que se distancia quando precisa e se aproxima quando quer dos jogos da velha guarda dos JRPGs.

Nota
Geral
8.0
chained-echoesPara um jogo repleto de personagens, um dos seus maiores destaques é Matthias Linda, o grande personagem por trás de Chained Echoes. Seu jogo é uma carta de amor aos jogos tradicionais do seu gênero e também aponta caminhos interessantes para o mercado de jogos indies.