Apesar de ter conquistado a internet e a deixado em polvorosa desde o seu anúncio na Gamescom de 2021, eu fiquei um pouco cético (olha a ironia) com Cult of the Lamb exatamente por olhar pra ele e ver que seria mais um roguelike.
Apesar de estar apadrinhada pela Devolver Digital, que dificilmente decepciona, eu confesso que estou um pouco cansado do gênero. Não que ele seja ruim, pelo contrário, sempre que quero uma diversão rápida, abro Spelunky 2 ou Rogue Legacy 2 para umas fazer umas runs e quando vou ver, já se passaram umas 2 horas.
Mas quando se fala de jogo novo, é preciso sempre ter que medi-lo com a régua mais alta. Afinal, existem jogos que já exploraram da melhor forma possível o gênero, e concorrer com eles é uma tarefa mais desafiadora do que alguns chefes de Hades.
Mas estamos falando de um estúdio que a Devolver Digital apostou suas fichas para entregar o principal jogo do segundo semestre do catálogo da publisher. A Massive Monster tinha um conceito interessante e um tema que cativou muita gente logo de cara.
Conhecida por publicar jogos que fogem um pouco da casinha e nos proporcionar alguns resultados novos, a Devolver Digital agora tem um jogo em seu catálogo que conta uma história que começa no corredor da morte, onde encarnamos o último cordeiro, que será sacrificado em nome de um culto pagão para impedir o cumprimento de uma profecia, mas quando a lâmina cai, acordamos em outro mundo, à frente de “Aquele que Espera”, uma entidade banida pronta para fazer de nosso cordeiro o portador da Coroa, e dar-lhe o poder de retornar e destruir os profetas, divindades que condenaram nossa inocente criaturinha.
Em troca, ‘Aquele que Espera’ apenas pede ao cordeirinho que funde uma seita em seu nome. Que coisa pesada, não? Sim, pero no mucho. O jogo é um misto de “calma, como eu tô rindo disso aqui?”, para “meu deus isso não é um pouco pesado?”. Se o objetivo dos desenvolvedores era causar pensamentos conflitantes e entregar um jogo extremamente viciante, parabéns, conseguiram!
O bicho mais underground que eu conheço é uma ovelha
Se morrer fosse uma opção… você se juntaria à nossa seita? Das mentes sombrias de Massive Monster e Devolver Digital, Cult of the Lamb é um excelente indie que visa unir as partes mais divertidas de Animal Crossing e The Binding of Isaac e o gerenciamento de recursos de… Age of Empires (?).
O melhor de tudo, camuflados em estilo de arte e narrativa que jamais passaria pela cabeça de 99% das pessoas para esse tipo de jogo. Nossos seguidores farão todo o possível para cultuar nossa seita diabólica.
Se você já teve a necessidade urgente de “sacrificar” alguns de seus vizinhos em Animal Crossing, e mandá-los embora da sua ilha, bom… se prepare para realmente sacrificá-los em Cult of the Lamb, que além de tudo permite que você nomeie cada um dos seus seguidores, personalizando-os com os mais variados tipos de cabeças de animais que podem ser desbloqueadas através da sua progressão no jogo.
A mecânica principal do jogo definitivamente contribuiu para que eu passasse nada mais, nada menos do que 9 horas seguidas com um controle na mão até que eu fechei o jogo pela primeira vez. Eu nunca imaginei que criar e administrar uma seita seria algo tão divertido.
E quando o jogo vai perdendo o fôlego no replay das suas funções de administrar um culto satânico, ele te entrega um roguelike com um combate, que tropeça na maioria dos casos, mas apesar disso, ele não é tão desafiador e você não vai precisar quebrar o controle de raiva como em outros jogos do gênero.
Ficou claro que os desenvolvedores deram maior atenção na parte de administrar o seu culto, deixando assim as suas aventuras nas masmorras, algo para você aproveitar o jogo com outros olhos, e claro, progredir na história, já que é assim que você pode derrotar os chefões. Ele tem tudo que se espera de mecânicas de um roguelike que você já deve imaginar: Um combate de pequenas salas, em rotas geradas processualmente e que você pode escolher qual caminho seguir, até chegar na sala principal onde está o chefe de cada uma das áreas do jogo.
Some isso ao já tradicional upgrade de seus equipamentos de acordo com a progressão nas salas e novos power ups para ajudar a derrotar a pouca variedade de inimigos que o jogo tem, mas que sempre o enfrentam em grande quantidade. Embora tenhamos apenas um botão para atacar e outro para desviar, tudo isso funciona realmente de forma digna e com fluidez. Mas não espere algo tão rebuscado quanto um Hades, por exemplo.
A necessidade de sempre partir para uma expedição nas masmorras, é algo que é necessário atrair seguidores, aumentar sua cidade em particular e ver como tudo progride através de suas ações. E sim, é totalmente satisfatório: faz o tempo passar sem você nem perceber. Isso fala muito bem do trabalho publicado pela Devolver Digital, que mais uma vez nos mostra que tem uma visão magnífica na hora de escolher seu portfólio de lançamentos. Este é sem dúvida um dos indies mais brilhantes que apareceram recentemente.
O brilho de um culto demoníaco
O propósito de um culto religioso é atrair mais adeptos para se unirem à sua causa, e Cult of the Lamb cumpre isso perfeitamente. Só que da forma mais irônica possível, já que quem está jogando esse jogo é quem é o principal adepto a esse culto, afinal, o vício é um pecado, mas pelo menos aqui você pode pecar, mas não se esqueça de confessar e manter a fé no seu culto. Seu sistema de progressão convida você a jogar um dia após o outro.
O relógio no canto superior direito te apressa e motiva a tomar as mais inesperadas medidas de contingência, ou decretar algumas políticas que podem te dar mais dor de cabeça no futuro se você não souber lidar com os seus seguidores e com os desejos individuais de cada um. Afinal, é claro que nossas cabrinhas têm personalidade própria e desejos próprios.
Como dito anteriormente, Cult of the Lamb tem um sistema de calendário, então a cada dia teremos que organizar nossa seita para fazer diferentes ações: assistir à missa, realizar invasões, construir prédios, coletar recursos… Nosso papel como líder será gerenciar todas essas opções em uma forma mais eficiente para que a seita cresça, mas sem que seus membros percam a fé em nós.
E é na fé dos seus seguidores que você precisa prestar atenção e já pensar no que fazer nos dias que virão a seguir. No canto superior esquerdo da tela, é possível ver a quantidade de fé que os seus seguidores estão naquele momento colocando no seu culto, e principalmente, em você como líder. Deixe que um seguidor tenha sua fé abalada, e ele pode rapidamente se tornar um pagão que irá discursar em praça pública tentando influenciar os outros seguidores a deixarem de ter fé no culto.
Mas como todo bom líder religioso, você pode lidar com esses rebeldes das mais variadas formas: construir uma prisão e deixá-lo acorrentado para ouvir seus sermões diários até que ele volte a ter fé, ou matá-lo em frente a todos a sangue frio para dar uma lição nos outros no melhor estilo “tá vendo o que acontece com quem pensa assim? ”, ou quem sabe ir até a igreja e sacrificá-lo em prol do seu culto? Quem decide é você. E essa liberdade que Cult of the Lamb oferece e nos permite mudar constantemente as nossas políticas dentro do jogo, que é onde tudo brilha.
Mas não são só cenários de masmorra e sua “fazendinha” que você verá no jogo. Lembra que falei que Cult of the Lamb me surpreendeu a cada momento? Eu não esperava que o jogo fosse ter ainda mais atividades do que as já citadas aqui. Para além de tudo isso, Cult of the Lamb tem ainda um mapa-múndi, com várias regiões para visitar.
Você tem um minijogo de dados interessante para apostar dinheiro, assim como um de pesca que – embora simples – pode ser até viciante. Assim, o jogo está completo e, assim que você parar, poderá obter mais algumas horas dele, apesar de que eu perdi um bom tempo me divertindo com o minijogo de dados que tem disponível em uma das regiões que você pode visitar. Em Cult of the Lamb, a diversão é certeira em seu loop de gameplay.
Terrivelmente fofo
A parte artística de Cult of the Lamb entra pelos olhos desde o primeiro momento, mas o que realmente nos encoraja a ficar nele, é ele ser extremamente passivo-agressivo, que mistura a fofura dos animais com crimes hediondos como sacrifícios, suicídios e traições. A borda arredondada dos elementos e do ambiente nos lembra muito a estética de The Binding of Isaac, mas ao invés de optar por um estilo pixelizado, optou-se por uma estética à la Paper Mario, algo que se assemelha bastante a cultura japonesa chamada de ‘Kawaii’.
Em termos de desempenho, o jogo permaneceu estável a maior parte do tempo no Xbox Series S, mas às vezes foi possível notar algumas quedas de quadros em uma luta contra um chefe específico. A seção de som cumpre sua função. Nenhuma música em particular se destaca, e a escolha dos efeitos sonoros é muito bem sucedida. Não teremos nenhuma música para cantarolar, ou que nos deixe lembrando dela quando fecharmos o jogo, mas não chega a ser chata a ponto de fazer retirá-la para, por exemplo, ouvir um podcast enquanto administra sua seita.
Conclusão
Cult of the Lamb não visa criar algo novo, mas sim pegar o que já existe e misturá-lo perfeitamente para criar algo único. É engraçado, com um humor negro persipicaz, às vezes injusto, e outras vezes nos fará nos sentirmos mal por tomar decisões macabras. Um título que surpreende com a inocência de seus personagens e que impressiona com sua personalidade sombria e perturbadora. Um verdadeiro lobo em pele de cordeiro com muitos requintes de crueldade e extremamente viciante.
Apesar de ser um jogo com uma duração relativamente curta para o gênero de roguelike (é possível terminar as masmorras em cerca de 13 horas mesmo se não rushar), não só temos a possibilidade de revisitá-las ilimitadamente, como podemos continuar a gerir a cidade após o seu término.
E não é só isso, a Massive Monster já anunciou que está preparando conteúdo para expandir o jogo. Cult of the Lamb caminha direto para ser um dos maiores lançamentos indies do ano e com uma proposta bem acessível para quem gosta de jogos casuais desse gênero e que pretende se aventurar nele.