Mediante todos os trailers dos produtores querendo vender o jogo, um ano ou mais de um ano antes do lançamento, era difícil entender qual era o apelo de Deathloop. Já é um consenso de que o jogo não se vendeu muito bem através dos trailers. Afinal, o que há por trás de um jogo preso dentro de um contrato?
Resumindo, Deathloop é o dia da marmota, e você só mantém suas memórias no fim do dia. Você precisa descobrir a melhor forma de reunir seus alvos espalhados, nos mesmos lugares, para que dê tempo de realizar a quebra do loop. Você irá fazer isso rastreando os planos inimigos e sendo mirabolante enquanto é perseguido por uma antagonista louca para impedir que o dia não se repita.
Julianna mantém contato com seu personagem Colt através do comunicador (ela no alto falante do DualSense no caso), e eles têm quase uma relação de amor vindo do ódio. A acidez deles se insultando explicita uma preocupação quase amorosa. Mas, você provavelmente ainda não sabe o potencial de Deathloop, porque eu ainda não comecei a falar sobre o que faz esse jogo especial, no que ele vai diferir de outros FPS.
Deathloop é uma mistura de muitas coisas que vimos em 10 anos. Você pode ter um pouco de Bioshock Infinite, com seus milhares de faróis; Você terá jogadores de verdade invadindo a partida, como um certo jogo da From Software, mas principalmente, você terá fortes sensações de que está jogando uma espécie de Dishonored 3, o que não é de se espantar.
A estrutura dos subúrbios, com a mistura de objetos retrô e ao mesmo tempo tecnológicos, o ar de um lugar utópico da mente de alguém que não bate muito bem da cabeça, tudo isso são coisas divididas entre Deathloop e a franquia Dishonored. Em muitos momentos o jogo me lembro bastante também o medíocre We Happy Few.
Um jogo com tantas ideias boas assim como decisões ruins. Porém Blackreef é uma ilha de anarquia. Ou mais ou menos: Certas regras precisam ser seguidas para assegurar que o dia irá se repetir e todas as festas punk e vadiagem continuem acontecendo. Falando em repetição… Talvez a maior virtude de Deathloop seja a de não pisar em terrenos de jogabilidade frustrante para o público geral, indo em direção oposta a outro título que envolve loops temporais, Returnal.
Returnal foi um jogo exposto demais, numa plataforma que todos desejam, só que esse jogo não segue as regras de game design destinado ao consumidor médio, que quer uma experiência mais suave e que o jogador tenha certeza de que terá todas as ferramentas de apoio para evitar decepções, raiva e frustração.
Na verdade, Deathloop é um jogo que ultrapassa a linha da dificuldade média pra baixo, indo de encontro ao nível fácil. Sim, o jogo é muito fácil, ao menos no nível em que joguei. Se você prosseguir com a cautela que tem tomado em tantos outros jogos sobre ter cautela, vai ser muito difícil morrer de fato neste jogo. E de forma alguma aceito me chamar de exímio jogador, com habilidades supremas. Eu sou a média.
Eu poderia chamar o primeiro longo capítulo do jogo de tutorial, mas a explicação de tudo é tão orgânica e a narrativa tão integrada espontaneamente que não dá pra dizer que é uma aula de como jogar o jogo exatamente. Parece mais que essa aula chegou ali por acidente.
Inicialmente, tudo parece um shooter muitíssimo genérico e sinceramente quando descobri que realmente o jogo iria aplicar game design de roguelikes, baixou uma preguiça intensa em mim. Porém, para minha surpresa, Deathloop é a subversão de como um roguelike é construído. De forma que talvez nem precisemos chamar de roguelike.
De cara, você é uma pessoa que perdeu tudo, todas as armas e especiais ao morrer na partida, porém retém uma coisa que o jogador e o Colt testemunharam, e é a coisa mais importante, mais do que armas e skills: você mantém a informação. E como nossos professores já diziam: a informação é a única coisa que não podem tirar de você.
Mas prosseguindo no jogo. de porte de algo como uma senha ou sabendo os planos de alguém por ler alguns documentos, faz com que você recomece o loop já lembrando de cada uma dessas informações e o que deve fazer, e esse é um erro que 12 minutes cometeu em muitos pontos. Repetir tudo até chegar ao ponto que o jogo parou, é pedir demais de muita gente. No jogo aqui, inclusive tudo é meticulosamente indexado nos menus acessíveis a qualquer momento.
Estranhamente, prossegui no jogo até estar de posse de um poder de teletransporte que é uma cópia carbono do teletransporte de Dishonored. Você segura o botão, olha onde quer ir e solta o botão que seu personagem vai até lá a jato. Mas aí o jogo faz questão de te mandar para o começo do loop de novo, e você perde todos os seus poderes. Isso mesmo: minutos após tê-lo adquirido. Porém o próximo passo do jogo é de Colt investigar como ele pode fazer para manter certas coisas mesmo depois de morrer.
Esse é o melhor presente que o jogo pode te dar. Então, você vai querer coletar Residuum em objetos possuídos (isso mesmo, assim como em Control), e escapar para o hub do jogo afim de manter a arma que você achou nessa sua run, mesmo depois que morrer ou depois que o dia acaba e todo mundo na teoria perderia tudo deste mesmo dia.
Não só armas mas perks pessoais e melhorias das armas ou até poderes especiais, chamadas de placas, coletadas dos chefes ou da Julianna quando derrotada. Cada quantidade requerida de Residuum que gastar, vai manter algo de sua escolha entre um jogo e outro. E essa é a forma interessante que o game faz para te ensinar como as coisas funcionam.
Ao morrer numa partida, calma. Não é o fim. Você ainda tem mais duas vidas (o game não trabalha com barra auto-carregável de HP – você precisa coletar kits médicos). Ao perder uma dessas vidas, a cena que você estava é “rebobinada” em mais ou menos 1 minuto anterior, além de te deixar invisível por alguns segundos, para assegurar que você poderá ir para um lugar seguro e não repetir o mesmo erro de novo.
Ao morrer a terceira vida, aí sim que você voltará para a praia, sem nada – apenas com as coisas que você usou Residuum para infundir (o nome que o jogo dá para o processo de manter permanentemente algo). Como falei anteriormente, o jogo compartilha muitíssimo de Dishonored, inclusive essa tara dos level designers em invasões a mansões de figuras excêntricas e travessias em telhados.
O grande brilhantismo de Deathloop, aquilo que pisca na mente do criador, a faísca que faz o projeto sair do papel, é que o jogo avança períodos do dia toda vez que você vai embora para o hub. Por exemplo: Se você está num bairro (um mapa fechado em si) durante a manhã, o tempo não irá passar enquanto joga lá. Faça o que tiver que fazer, explorar, matar, pilhar e achar ramificações de salas que surpreenderia até o arquiteto viciado em bunkers mais astuto.
Ao voltar (seguro) para os túneis, que é o hub do game, onde você faz as infusões ou vende peças em troco de Residuum, o tempo irá avançar desta vez. Agora você poderá ir a outro mapa de escolha, ou o mesmo novamente, só que no período do meio dia. Ou você pode segurar o botão para dar um skip, e pular para o fim de tarde. Ou quem sabe a noite. Tudo isso porque certas oportunidades só surgem no mapa específico, no período específico.
Se você aprendeu num dia anterior, que um cientista está no mapa Y, no horário da tarde, em nosso exemplo, aproveite o meio dia para fazer outras coisas num outro mapa, ou pule diretamente para a tarde e entre no mapa Y. Os inimigos, armadilhas e objetivos aparecem ou mudam, de acordo com o horário do dia ou avançar da história. Por exemplo, você pode achar um show de rock numa praça, onde no dia anterior (manhã, por exemplo) não havia nada além de bandidinhos montando a estrutura.
A cereja do bolo, onde as coisas esquentam é quanto eu te disser que, você precisa matar um número de pessoas muito maior do que o número de períodos que um dia tem, e lembre-se que ainda por cima, cada alvo estará escondido ou ausente por total, todos num mapa diferente.
Isso casa com a afirmação que falei lá atrás de que a informação é a coisa mais importante que existe. Com ela, você montará planos de fazer certas pessoas estarem no mesmo lugar, na mesma hora. Provavelmente, a última run do jogo será um espetáculo de plano perfeito se encaixando depois de muitas, muitas horas. Claro que isso, não vou revelar se acontece ou como acontece. É muito difícil explicar Deathloop sem se sentir que entreguei um pouco mais do que devia. Daí provavelmente a dificuldade grande deste jogo se vender.
O modo singleplayer é sobre Colt afim de quebrar o loop que envolve todo o jogo. O componente online tem Julianna, tentando impedir que Colt quebre o loop. Essa divisão de interesses separados entre modos é algo muito original e francamente, mesmo que eu não esteja afim de ver Juliannas invadindo minhas partidas singleplayer, posso admirar a iniciativa.
Pra isso, também posso permitir que apenas amigos invadam, ou então ninguém mesmo, ao contrário de permitir que qualquer pessoa do público faça a invasão. Ao escolher a opção offline, a invasão de Julianna é feita através de uma Julianna controlada pela IA. Ao derrotá-la, você ganha alguma das placas (poderes sobrenaturais, cada uma com efeitos diferentes), e você vai querer urgentemente voltar para os túneis para infundir essa peça, para que não perca. Se você já possui uma placa igual, sem problemas, o efeito delas é acumulativo.
Pelo fato de ser um exclusivo de um console de nova geração, a gente esperava gráficos espetaculares, quando na verdade qualquer PS4 base parecia ser capaz de rodar muito bem o jogo. Na verdade a gente não esperava. Os trailers sempre foram honestos mostrando seus gráficos. Não há aproveitamento de SSD envolvido com loops temporais, nem mesmo se pode ver seu reflexo em vidros, mesmo com a opção de ray tracing ligada.
Os dois modos que envolvem maior performance gráfica vão fazer o PlayStation 5 amargar quedas bizarras de frames que podem durar quase 10 segundos e fazer parecer que você está no seu Pentium 3 tentando rodar Doom 3. Para um jogo com gráficos mais simplistas, isso é realmente negativamente impressionante de se ver. Acompanhado dos já costumeiros bugs em jogos da Bethesda, é possível que você perca sua run atual.
Quando eu entrei no menu para ler alguns arquivos e não consegui mais sair para o jogo, um desânimo abateu sobre mim, depois de fazer mais de uma hora de exploração cuidadosa. Ao retornar, o pudor e cuidado contra os inimigos nunca mais foi o mesmo, mas a qualidade do tiroteio me fez retornar a ótimos momentos de jogatina. Estes problemas devem ser corrigidos com patchs lançados para o público fora da imprensa e criadores de conteúdo. Dois dias antes do lançamento mesmo, teve um patch online.
E pra fechar, não posso deixar de mencionar a trilha sonora e toda aura de anos 60 e 70 que o jogo envolve. Por vezes, estaremos dentro de casas que usam um estilo muito característicos daquela época. É impossível não notar e esse estilo é o que o estúdio dá em troca de um jogo que não é sobre potência gráfica mas sim estilo e jogabilidade.
Conclusão
Apenas depois de duas horas de jogo, o potencial completo de Deathloop desabrocha, e o que era uma série de sobrancelhas levantadas em dúvidas, dá lugar a excitação por um jogo que mistura lore, narrativa e gameplay de shooter em primeira pessoa de uma forma raramente vista na onda de jogos “triplo A” atualmente, pois esse gênero arriscou pouco na oitava geração. Deathloop é obrigatório para fãs da Arkane. É um jogo que não investe em cinematografia que por horas pode enganar o consumidor, escondendo a falta de gameplay realmente interessante.