Lançado no último dia 25 de março, Kirby and the Forgotten Land, o subestimado Pac-Man rosado da Nintendo, ganhou seu mais novo jogo para o Nintendo Switch e Nintendo Switch OLED e traz uma comedida revolução para a franquia.
Com inspirações que passeiam por diversos jogos — incluindo obras que estão para além dos domínios da Nintendo (mais sobre perto do fim do texto —, o game, desenvolvido pela HAL Laboratory, teve seu primeiro trailer anunciado na Nintendo Direct acontecida em 23 de setembro de 2021. Praticamente um semestre depois, o game da bolinha rosa é lançado mundialmente.
Antes de mais nada, é preciso dizer que a mudança na perspectiva de 2D para 3D é um acerto não só para o jogo, mas, a depender da quantidade de milhões de cópias que Forgotten Land venha a vender, poderá sinalizar novos rumos para a franquia.
Além disso, ainda que Kirby’s Blowout Blast (Nintendo 3DS, 2017) tivesse inserções em 3D, o que víamos ali eram apenas cenários em formatos quadrangulares únicos ou ainda pequenas arenas em que toda a movimentação do personagem era limitada por uma junção de poucas transições de tela. Assim, podemos dizer que em seu mais novo jogo, a experiência é, de fato, a primeira em 3D para o herói da Nintendo.
Os cenários em 3D agora permitem com que a câmera, que é quase que totalmente fixa, permitindo ao jogador realizar pequenos (embora quase inúteis) movimentos de arraste, brinca com as diversas perspectivas possibilitadas pela movimentação dirigida dos ângulos e movimentos de câmera.
Em teoria, com um jogo em 3D cujos cenários parecem pequenos mundos abertos, não haveria a necessidade de se travar o manuseio da câmera por parte do jogador. Todavia, há duas vantagens nesse gameplay de câmera dirigido: o primeiro, mais gráfico e visual, é a possibilidade do jogo melhor apresentar os visuais e ideias de direcionamento de gameplay com o intuito de inserir um quê cinematográfico ao jogo. Acreditem: essa estilização na direção de câmera é benéfica ao jogo.
Com certo tempo de jogatina, esquece-se que não controlamos a câmera. O segundo motivo, que diretamente não infere no progresso do jogo, faz com que os itens colecionáveis, que estão por todos os cenários e já não são difíceis de se achar, não se tornem ainda mais fáceis de serem encontrados pelo player com apenas leves e espertos movimentos e toques na angulação da câmera para melhor se observar os cenários.
Em se tratando do escopo do jogo, estamos falando de um gameplay que pode durar entre doze e vinte e cinco horas, a depender da vontade em se terminar ou não com 100% do game completo. Para além de Point of Arrival, estágio inicial e introdutório das mecânicas, alguns inimigos e ações de combate de Kirby, a tal Terra Esquecida que acompanha o nome do herói no restante do título da obra traz, oficialmente, seis mundos jogáveis e que vão sendo liberados a partir do progresso de cada fase contida neles.
Cada um dos seis mundos conta, na extensa maioria deles, com cinco fases que remetem aos biomas daquele mundo específico. São seis mundos oficiais pois, ao fim do jogo, um sétimo mundo é aberto para se jogar. Se o jogador logo desiste de voltar ao jogo após finalizar a campanha principal (e com apenas um dos finais), se perderá a possibilidade de se jogar no mundo secreto e que guarda o final mais completo.
Para esse review, eu finalizei o jogo completo, incluindo o mundo secreto, com 76%. A porcentagem inclui, claro, além do progresso nas fases e mundos, a quantidade de itens colecionáveis que são coletados, os mini-games espalhados (escondidos ou não) pelos mundos, e que oferecem itens importantes para o upgrade das habilidades de Kirby, e mais a quantidade de Waddle Dees que são salvos pelo jogador.
Para simplificar a funcionalidade dos WDs no jogo, basta dizer que eles funcionam mais ou menos como as Power Moons (as luas) que Mario precisa capturar em Super Mario Odyssey para injetá-las no seu dirigível que transita entre mundos. A grande diferença é que os WDs possuem (mais) personalidade por não serem, como em Odyssey, luas. E isso nos leva a um cenário próprio para eles: a Waddle Dee Town, ambiente que aparece pela primeira justamente neste jogo.
Em Waddle Dee Town, o jogador poderá participar de mini-games internos a este cenário, visualizar estatísticas diversas de sua jogatina, pescar, comprar alguns poucos itens, (re)enfrentar chefes no Coliseu, conversar com diversos WDs, dormir e descansar na casa de Kirby, ir ao cinema (sim, há um cinema em Waddle Dee Town) e, talvez uma das principais funcionalidades da cidade, ir ao ferreiro para aprimorar suas habilidades. Nele, Kirby poderá, a partir de manuscritos especiais que podem ser conseguidos através das buscas nas fases, aprimorar/evoluir suas principais habilidades para torna-las ainda mais forte. Até o ponto em que vi, alguns dos power-ups chegam a ter ao menos quatro evoluções.
Aqui, a partir do que falei sobre os power-ups, aproveito para trazer um destaque negativo que profundamente prejudica o jogo: Kirby and the Forgotten Land é um jogo facílimo. Mesmo em seu modo difícil, o Wild Mode. Como tendo a experienciar jogos habitualmente no modo difícil, justamente para poder encontrar um desafio maior, mais complexo e valorizando até onde for possível uma experiência que preze pela inteligência artificial dos inimigos, fui de cara para o tal modo selvagem do jogo.
Para minha surpresa e, creio, para surpresa de muitos que passarão pelo game, o novo Kirby é ridicularmente simples de se ir do início ao fim dos seus estágios e mundos. Essa rasa dificuldade acaba retirando muito da experiência do jogador, já que, se assim for desejável, o jogador poderá avançar pela maioria dos cenários sem sequer ser atingido. Incluindo pelos chefes. Venci a minha primeira boss fight sem sofrer danos. Por isso, se você quiser aproveitar ao máximo a dificuldade que o jogo tem a oferecer, sugiro que não aprimore suas habilidades.
Com exceção de Redgar Forbidden Lands, o sexto mundo. Ah!, o sexto mundo.
Redgar Forbidden Lands parece ter sido feito por outra equipe de desenvolvedores, visto que tal mundo destoa de todos os outros cinco que vieram antes. Nele, finalmente o jogo apresenta desafios de plataformas, inimigos e outras complexidades ao longo das suas seis fases (primeiro e único da narrativa principal a ter 6 fases).
Até mesmo a trilha-sonora ganha outros tons, oferecendo uma dramaticidade sonora que casa bem com a dificuldade crescente de RFL. Se os mundos anteriores tivessem a mesma densidade de gameplay de RFL, Kirby and the Forgotten Land poderia realmente ser o Super Mario 64 ou Super Mario Odyssey da franquia do mascote redondo e rosa. Não que já não o seja, afinal, as estruturas de cenários e gameplay são semelhantes.
A diferença é que os dois jogos do encanador bigodudo apresentam maior e melhor consistência na apresentação dos desafios ao longo dos seus jogos, diferente de Forgotten Land, que resguarda essas emoções apenas para o último mundo da narrativa principal.
Falando em mundos, a composição dos biomas do jogo explora muito o hardware do Nintendo Switch: temos cidades tomadas pelo crescimento das árvores e plantas (os apelidos e brincadeiras da internet citando The Last of Kirby ou Kirby of Us são comicamente justificáveis), cenários tropicais, parques lúdicos, fábricas abandonadas e deterioradas, cenários gélidos e de fogo pulsante e vivo.
Ironicamente, o game do mascote que copia habilidades dos inimigos e das coisas pelo cenário, é também um jogo que copia outras obras da sua própria saga e também possui inspirações de outros jogos, sejam ou não da Nintendo. As habilidades do mouthful mode, a mecânica de engolir inimigos e itens, são extensões e evoluções das habilidades do personagem desde o mais antigo dos seus jogos.
Ainda assim, baseado apenas no que a minha memória me permite lembrar, consigo recordar alusões e homenagens a jogos como: Crash Bandicoot, Zelda (o início do jogo te lembrará de ambos os jogos assim que o jogo inicia, acredite), Super Mario 64 (torres escaláveis em espirais), Super Mario Odyssey (a coleta dos Waddle Dees lembrando a coleta das Power Moons do Odyssey e também a música cantada justamente em uma fase urbana), Luigi´s Mansion 3 (os cenários mais retangulares e com sistemática em side scrolling são totalmente copiadas de LM3).
Ainda temos Donkey Kong Country (o eterno retorno do chefe que enganou a própria derrota, o jogador e voltará com novas artimanhas e mais forte), Mega Man (estágio de desafios de vários chefes em sequência e com possibilidade de se escolher a power-up que mais se adequa para cada chefe) e mais referências. O jogo, assim, faz cópias bem vindas de funcionalidades, mecânicas, cenários e desafios da própria franquia e de outros jogos.
Para destacar uma última e impactante referência, e ainda sobre o mouthful mode, e não é segredo para quem viu os materiais em vídeos, fotos, além de para quem testou a demo lançada no início de março, que Kirby é capaz de engolir coisas muito, muito maiores do que ele. Um carro era algo que já havia sido visto nos materiais.
Sem spoilers, o que o jogo nos reserva ainda de coisas absorvíveis e aglutináveis por Kirby é positivamente assustador. Em certo momento, um ápice acontece em que uma mistura insanamente divertida entre o teor épico de God of War e o caráter surrealista das batalhas de Bayonetta mesclam-se, levando o jogador ao completo deleite visual e mecânico no controle da bolinha rosada e do que ela engole.
Com exceção da quase completa falta de dificuldade, Kirby and the Forgotten Land é um jogo divertido e que agradará a maioria dos jogadores. Embora os desafios sejam bastante tardios, eles destacam-se por serem alucinantes. O jogo ainda acerta pela multiplicidade de trilhas por fase (embora sejam cíclicas demais, pois cada fase repete exaustivamente a mesma única canção daquele estágio).
Já sobre os visuais, tanto a Terra Esquecida como o mundo secreto possuem visuais únicos e que ilustram bem o molde daquele mundo, trazendo diferentes fases, ângulos e planos de câmera adequados às fases em que se está. O jogo não peca pela qualidade gráfica e possui uns raros problemas de texturas, visto que o cenário no horizonte é parcialmente esmaecido até que se chegue mais à frente.
Que o próximo jogo da franquia possa ser muito mais desafiador. Kirby não precisa ser um soulslike, mas não precisa ser um pênalti batido sem o goleiro debaixo da trave. Além de apresentar uma jogabilidade mais desafiadora, que ele arrisque-se mais na originalidade, pois o personagem não precisa ser subestimado e merece cada vez mais ter espaço no rol dos grandes personagens da Nintendo e dos jogos em geral.