Housemarque é um daqueles estúdios que, sem jogar nas grandes ligas, construiu uma boa reputação para si, principalmente entre os amantes de videogames de ação arcade. Títulos como Resogun, Nex Machina e Matterfall mostraram que esses finlandeses sabem muito bem o que estão fazendo na hora de encher seu monitor com uma chuva de balas, pontuações e uma dificuldade diabólica, mas ao mesmo tempo justa.
Mas o que acontece quando você dá a um time pequeno, acostumado a esse tipo de jogo com um estilo tão direto e nichado, os recursos para fazer algo digno de competir ao lado dos grandes lançamentos dos jogos? A resposta é “Returnal“, o último trabalho do estúdio que em 2021 havia sido lançado exclusivamente para PlayStation 5 e que agora chega em um excelente port para computadores.
Nem é preciso deixar claro que esse é o seu maior e mais ambicioso jogo até o momento, porque isso é óbvio: nota-se na seção gráfica, bem mais avançada, na renovada importância da narrativa ou ainda no estilo do jogo, com a câmera em terceira pessoa atrás das costas tão comum em jogos AAA, abandonando o famoso estilo top-down ou side scroller do gênero de bullet hell.
Mas, apesar das mudanças, Returnal é antes de tudo um jogo da Housemarque. E qualquer fã de estúdio reconhecerá facilmente suas marcas expandidas e aprimoradas. Mas agora, quase dois anos após o seu lançamento original para Playstation 5, vale a pena os usuários de computador depositarem seu precioso dinheirinho nesse thriller sci-fi cuspidor de bala?
Uma grande mistura de ideias e gêneros
Puramente jogável, encontramos um título muito peculiar que combina a estrutura avançada de um roguelite, a progressão e exploração de um metroidvania, e o frenesi e a diversão de uma aventura de ação em terceira pessoa com mecânicas típicas de um shmup bullet hell. Assim, teremos que percorrer uma série de cenários que são gerados aleatoriamente em cada jogo enquanto lutamos contra todo tipo de criaturas, melhoramos nosso personagem com vários power-ups, encontramos novas armas e desbloqueamos habilidades e atalhos que permanecerão mesmo depois de morrer.
A progressão do jogo se torna muito familiar para todo bom jogador de roguelite, pois teremos que avançar por uma série de salas nas quais nunca saberemos quais inimigos, armadilhas ou tesouros encontraremos, embora, ao contrário de outros jogos semelhantes aqui, nosso objetivo não seja apenas para subir ou descer andares para chegar ao chefe final daquela run específica, terminá-lo e começar de novo para obter uma melhor pontuação.
Em vez disso, o que temos é uma aventura na qual nos pedirão para cumprir uma série de missões para avançar, como encontrar as chaves de uma porta, encontrar uma habilidade permanente que nos permita acessar novos lugares ou derrotar o chefe do turno. Como em todo roguelite, morrer significa retornar ao ponto inicial e perder nossas armas e power-ups, mas todo o progresso que fizermos ao concluir essas missões será mantido, enriquecendo e melhorando a nossa experiência com o próprio jogo nos próximos jogos ao nos permitir usar os atalhos que abrimos, além de chegar às salas com novas recompensas melhores do que antes, fazendo com que possamos percorrer caminhos que até então, eram inalcançáveis devido nossa personagem não ter a habilidade necessária naquele momento.
Graças a isso, ficamos com aquela sensação de progresso constante e que nunca sentimos que estamos perdendo tempo, pois cada objetivo alcançado representa um pequeno passo em nossa jornada rumo ao final do jogo. Na verdade, aqui você nem verá a necessidade de repetir chefes e se quiser pode ir direto para os novos locais que desbloqueou.
Obviamente, parar para explorar tudo, fará com que você seja recompensado de muitas maneiras diferentes, seja descobrindo novas salas, melhorias para nossa personagem ou mais informações para decifrar a história, então no final temos alguma liberdade para decidir como abordamos cada uma de nossas tentativas.
Desta forma, temos uma aventura que sempre nos surpreende e que nos incentiva a continuar jogando para descobrir coisas novas, já que os objetivos que ela nos propõe são muito bem desenhados, acessíveis e um grande incentivo para tentar de novo e de novo.
Em cada nova run podemos encontrar vários tipos de potenciadores para a nossa protagonista. Os mais comuns são os artefatos (nos dão algum tipo de benefício passivo), parasitas(coletar um implicará receber uma vantagem, mas também uma desvantagem) e melhorias estatísticas(aumentando os diferentes parâmetros de nosso personagem). Se morrermos, perderemos tudo isso e teremos que nos rearmar no próximo jogo. Além disso, também encontraremos itens consumíveis com uma infinidade de efeitos diferentes.
Um jogo que tem muito a dizer
Por trás de um jogo com gameplay impecável, existe uma narrativa extremamente intrigante, digna de grandes mistérios de uma novela de Aguinaldo Silva. É até difícil classificar ou resumir a “história”, já que falar de começos e finais nesse caso seja complicado já que Returnal baseia seu argumento em um loop temporal que não tem fim.
Após uma breve introdução, ficamos sob a pele de Selene, uma exploradora espacial cuja nave, Helios, foi destruída após uma queda acidental no planeta Atropos. -homônimo da maior das Parcas da mitologia grega, encarregada de cortar o “fio da vida” dos mortais-. No entanto, depois de explorar um pouco, vemos como neste lugar, pelo menos para nossa protagonista, a morte não funciona assim. Selene é incapaz de morrer, cada vez que ela morre, ela revive seu acidente indefinidamente. Após cada pouso seu objetivo é sempre o mesmo, fugir do estranho planeta e voltar para casa.
E como você já deve imaginar, Atropos é um lugar peculiar; enquanto a zona de colisão permanece, o resto sempre muda entre as partidas. Além disso, acentuando a complexidade do ciclo em que o Selene está imerso, podemos encontrar seus corpos inertes, bem como gravações, passadas e futuras, que nos ajudam pouco a pouco a contextualizar o que realmente está acontecendo.
Sua narrativa é realmente complexa. Embora o título possa ser desfrutado sem parar um momento para descobrir o que está acontecendo, ele acerta e gratifica o jogador que quer descobrir a origem e o porquê dos acontecimentos que estamos vivenciando, mesmo que isso implique em termos que nos esforçar um pouco mais.
A história desenvolve-se através de algumas cinemáticas, embora, com o que nos aproximamos de saber a verdade, seja com as referidas gravações, a transcrição das estranhas runas que estão escritas e, sobretudo, nas cenas da misteriosa casa terráquea que nos é apresentada logo cedo no jogo. Porém, como dizemos, não é uma história com um final, por assim dizer; a forma de entendê-la e buscar as conclusões correspondentes fazem parte de como o jogador interpreta os fatos.
Na verdade, o jogo tem dois finais, sendo o segundo o mais complexo de conseguir, já que, antes de tudo, não temos ideia de como alcançá-lo ou, nem mesmo, de que ele existe, deixando para quem quiser se aproximar da veracidade dos fatos.
Seu núcleo narrativo é a mera existência do loop, e como a protagonista não pode escapar dele, mas encontra resquícios de seu passado e de seu futuro, dando origem a certos paradoxos temporais. Gravações que nos dizem onde Selene foi em outras ocasiões, mas não fomos nós, pois ainda não chegamos lá, então deve ser uma Selene do futuro, nos deixando uma pista, mas por sua vez, como ela conseguiu a pista? Uma alteração do princípio da causalidade, em que causa e efeito são, por sua vez, causa e efeito um do outro.
Ok isso soou muito complicado, e de fato é. Returnal não é um videogame com narrativa simples e que nos coloca na passividade de ficar à mercê do roteiro linear de um jogo AAA como muitos fãs estão acostumados. Muito provavelmente esse é um dos motivos pelo qual o título foi, ao meu ver, bastante subestimado pelos fãs de Playstation.
O jogo sai em um momento em que vivenciamos uma boa moda desse tipo de narrativa na cultura pop. A mais famosa entre elas, é a série `Dark`, disponível na Netflix. Embora eu não possa dizer que isso foi uma inspiração real para Returnal, acho que, como em quase todas as obras sombrias de ficção científica espacial, podemos falar sobre o universo Alien, especialmente o prequel, Prometheus.
A existência de seres anteriores, como os arquitetos do filme de Ridley Scott, bem como a representação sombria e decadente das ruínas remanescentes de sua civilização caída, estão presentes em ambas as obras. Além disso, há uma óbvia semelhança com a obra de HP Lovecraft, os tentáculos de Cthulhu estão presentes na maioria das criaturas que encontramos. Por outro lado, como a maioria dos títulos que baseiam parte de seu argumento na obra lovecraftiana, vemos como a sanidade de nosso protagonista é cada vez menor ao longo dos ciclos, embora sim, desta vez não como mecânica de jogo, mas narrativa.
A estreia da nova geração chega ao PC
Returnal é sem dúvida a obra mais ousada que a Housemarque produziu em seus 25 anos de história. Alienation, Nex Machina e Mattferfall foram jogos visualmente atraentes, mas de menor escopo, fazendo com que nenhum se compare a Returnal, o primeiro grande jogo 3D do estúdio finlandês com o apoio financeiro de um Sony AAA.
A parte sonora deste título é de fato um deleite para os ouvidos. Desde sua dublagem para o português brasileiro, ao som ambiente e sua trilha sonora que são brutais. A função de áudio 3D é extremamente útil para saber em que direção estão nossos inimigos, para detectar colecionáveis e objetos pelo som que emitem, fazendo com que o bom uso de fones de ouvido seja super bem vindo.
Embora se vamos falar de imersão, nada chega perto do uso do Dualsense, controle do PS5 e que é possível usá-lo no PC com títulos que dão suporte às suas funcionalidades, que claro, é o caso de Returnal e outros ports da Sony. Os gatilhos adaptáveis vão reagir de acordo com a arma que usamos, além de fazer a diferença entre mira e tiro secundário. No entanto, gostei mais da vibração háptica.
Algo evidente desde os primeiros momentos do jogo, logo após o início já notamos em nossas próprias mãos a chuva que cai no capacete, os passos dependendo do tipo de terreno ou a vibração dependendo da arma que carregamos. A existência do Dualsense é um elemento diferencial na hora de curtir Returnal, favorecendo muito a sensação de jogo de que falamos anteriormente.
Mas confesso que testei o jogo com o Dualsense em apenas uma das minhas inúmeras runs no jogo, já que consigo me adaptar melhor a um jogo de tiro usando o mouse e teclado. Mas para quem quer jogar no conforto da TV deitado em uma rede tomando uma Cajuína São Geraldo, ter um Dualsense em mãos irá fazer uma diferença elogiável em sua jogatina.
E, claro, outra característica que fez com que Returnal fosse de fato um dos primeiros, senão o grande título da nova geração até aqui, só poderia ser uma: suas telas de carregamento. Ou melhor, suas telas sem carregamento, porque o Returnal não as possui completamente; quando Selene morre e o loop recomeça, você está jogando praticamente instantaneamente, exceto por um pouco de cinema que você pode pular sem problemas.
Se isso já estava presente no Playstation 5, então é lógico que nesse port para PC essa adição é ainda mais bem vinda. Quando você avança para um novo bioma também não há telas de carregamento, nem quando você se teletransporta para outro ponto do mapa. Claro, você precisa instalá-lo em uma partição do seu computador com SSD para fazer o uso disso. A rapidez da transição entre telas é sem dúvida alguma, o meu maior motivo de alegria com a atual geração de consoles, e que é um recurso que só agregará ainda mais aos jogadores de PC.
E por falar em recursos para os computadores, Returnal brilha e brilha muito. Estamos diante do melhor port que pude jogar de um jogo Sony nos computadores. Mesmo antes do famoso patch day one, já que recebemos essa cópia de forma antecipada para análises, já pude notar que o jogo está acima de tudo, bem otimizado. Utilizando uma máquina com uma RTX 2070 super, Ryzen 3700x, 16gb ram e o jogo instalado em um SSD, pude aproveitar Returnal com framerate acima dos 80fps durante todo o jogo em uma resolução de 1080p. E isso é algo digno de aplausos, pois a crise dos lançamentos que assolam os computadores nesse momento é visível por parte de grandes estúdios.
Como já virou recorrente em ports de jogos da Sony, o jogo conta com suporte a telas com proporções 16:10, Ultrawide (21:9) e Super Ultrawide (32:9) que oferecem um campo aumentado de visão e acrescenta mais opções para para o gameplay, cinemáticas e a própria interface do jogo.
Para melhorar o desempenho, o jogo conta com várias tecnologias de escalonamento de resolução, como NVIDIA DLSS, NVIDIA NIS e AMD FSR2. O jogo ainda conta com o modo cooperativo, que chegou de forma tardia no Playstation após o lançamento. Mas por ter recebido a cópia de forma antecipada, não foi possível testar o recurso de jogar com outro amigo ou alguém aleatório.
Vale a pena?
Sabemos que o mercado de jogos no PC é competitivo, diariamente centenas de jogos são lançados na Steam e Epic Games, e saber onde usar o dinheiro, em que lançamento e onde depositar suas horas virou uma dor de cabeça saudável. Ainda mais se tratando de um jogo que já tem quase 2 anos desde seu lançamento para Playstation 5 e que vem custando o preço de um lançamento de 2023 nos computadores.
Mas depois de tantos elogios, você deve estar se perguntando se de fato vale a pena. Em minhas horas com o jogo, me diverti, me estressei, fiquei instigado e até me emocionei. É um jogo que gratifica jogadores que curtem uma boa exploração, que entrega uma boa narrativa e que é desafiador para os mais experientes. Não é um Norvana, mas sem dúvida, une várias tribos.
Returnal é um dos melhores jogos deste início de geração. Desde o seu lançamento, eu já comentava que a comunidade de PC iria gostar muito mais desse título do que qualquer outra comunidade de consoles. É um jogo onde o uso de mouse e teclado deixa ele ainda mais gostoso de atirar.
Um título extremamente divertido e viciante, que em alguns casos me deixou estressado por não estar acostumado com roguelites com runs tão longas, mas que com o tempo, isso não pesa demais, e vai deixar umas boas horas de jogo para quem se atreve a explorar tudo. As jogabilidade e sua narrativa fazem dele uma obra recomendada para todos aqueles que gostam de jogos de tiro em terceira pessoa, para os fãs de roguelikes e para os amantes de ficção científica espacial e viagens no tempo.