Algo de muito estranho e errado deve ter rondado a produção deste reboot de Saints Row. Lançado neste mês de agosto de 2022, não há, neste novo capítulo da saga, elementos em larga escala e plausíveis que justifiquem este lançamento da forma como está saindo.
No fim, o que se vê e o que se joga acaba por ser um jogo incerto sobre si mesmo. Para inicialmente ficarmos em apenas dois exemplos, basta dizer que Saints Row, ao mesmo tempo em que colore o seu mundo, também tenta trazer certa seriedade em sua narrativa.
Além disso, ao se propor a ter uma escala épica, em paralelo, faz com que suas set pieces sejam e soem ridiculamente padronizadas, repetitivas e que avancem para longe de qualquer caráter mais épico como fingem ter.
À medida que os jogos da franquia Saints Row foram sendo lançados ao longo dos anos e décadas, o jogo, cujo primeiro lançamento saiu para tentar rivalizar com Grand Theft Auto (GTA), foi sendo reformulado para, muito mais a partir do terceiro game, ser uma alternativa mais caótica e colorida do seu primo bilionário de Los Santos.
Com isso, fomos vendo as continuações de Saints Row tornarem-se adeptas do uso de certos escapismos para atraírem, quem sabe, não só os fãs de GTA — cujos títulos têm levado muito mais tempo para serem lançados de um para outro —, como também buscar novos fãs em meio às brechas entre um e outro Grand Theft Auto.
A Deep Silver Volition, desenvolvedora por trás de Saints Row, viu essa lacuna não preenchida entre os anos sem GTA e decidiu erguer as mangas para lançar, de tempos em tempos, a sua “versão” do jogo da Rockstar. Quando o primeiro Saints foi lançado, ainda em 2006, o mundo estava órfão de GTA desde o San Andreas, lançado em 2004.
Assim, por quase dois anos, entre 2006 e 2008, Saints Row reinou como o principal rival da franquia que já nos deu CJ, Niko, Michael, Trevor e Franklin. Já em 2008, quando a continuação de Saints Row saiu, a história foi outra, visto que a Rockstar atraiu todos os olhares para si ao lançar o clássico GTA IV.
Em seus dois primeiros games, Saints, que contava com certos exageros, ainda não havia entrado no terreno do bizarro que talvez seja até hoje a impressão mais corriqueira que temos dos jogos da saga. Destaco tal questão sem realizar julgamentos, pois há inúmeras qualidades tanto no aspecto de exagero controlado dos dois primeiros games como também no bizarro enquanto default do terceiro jogo de Saints em diante.
Agora em agosto de 2022, um reboot do primeiro jogo está sendo lançado. O mesmo jogo original que, lá em 2006, teve como plataforma de lançamento apenas o Xbox 360. Dessa vez, em lançamento alardeado, sai para Microsoft Windows, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One e Xbox Series X/S.
Sair para a geração passada não deixa de ser, também, um indicativo de algo. Certos jogos, como sabemos, são readequados para caberem em mais de uma geração. Em muitos casos, raspa-se o máximo possível de um jogo que sairia apenas em uma geração vigente para que ele possa, também, dar o ar da graça na anterior.
No caso de Saints Row, infelizmente, arrisco dizer que não foi necessário se raspar ou retirar nada. O jogo cabe, provavelmente sem dificuldades, e à exceção do ray tracing, em uma geração passada. Porém, antes de definitivamente entrarmos no review de forma mais específica do novo Saints Row, vamos às algumas análises mais frias do contexto que envolve esse lançamento, pois elas se fazem necessárias para entendermos um pouco de como este novo game saiu da forma como saiu…
Já perceberam que toda vez que uma nova geração de consoles é iniciada, os primeiros games lançados saem com os aspectos gráficos que lembram os últimos jogos lançados na geração anterior? Isso é algo que vem se repetindo há mais de uma década. Ao mesmo tempo, e de forma justa e aceitável, há sempre um desconto gentil e por vezes necessário que é dado aos jogos de nova geração que são colocados no mercado com cara da geração que veio antes.
O development hell, que é o chamado ‘inferno de desenvolvimento’, uma prática que se revelou uma constante na indústria de jogos e eleva os níveis de estresse e assédio moral durante a produção dos jogos (fazendo com que a saúde mental de diversos desenvolvedores fique em frangalhos), talvez tenha sido o fator estranho durante a produção de Saints Row comentado no início do texto.
Ademais, aproveitando justamente um período de quantidade de lançamentos menor devido a escassez de novos lançamentos por conta da pandemia, que atrasou a saída de muitos jogos e provocou o adiamento constante de vários outros nos últimos anos, a indústria se viu tentada a sair lançando pacotes com 1, 2 ou 3 jogos saídos de uma mesma franquia ou ainda lançar remasters, reboots e remakes, que se tornaram um padrão na indústria.
Não à toa, em tempos recentes, presenciamos o lançamento de repaginações visuais de muitos jogos (consagrados ou não, esquecidos ou sempre lembrados), como: Klonoa: Phantasie Reverie Series, Kao the Kangaroo, Uncharted: Legacy of Thieves Collection, The Last of Us Part I e assim segue.
Além disso, no caso específico desse novo Saints Row, se tenta algo novo. Aproveitando o enorme sucesso acontecido com a marca a partir de sua proposta de repaginação a partir do Saints Row: The Third (2011), que adota o escracho narrativo, visual e de gameplay como modus operandi, neste reboot existe a clara tentativa de performar todo esse floreio visual e de gameplay dentro do escopo do primeiro jogo, cuja proposta narrativa adotava tons mais sérios.
Nesse ponto, o uso desse conceito que deu tão certo lá atrás é uma clara afirmação de que a desenvolvedora de que o terceiro jogo é, de fato, o grande sucesso da franquia, norteando o que veio a seguir. A mistura, todavia, por não se decidir entre adotar um tom ou outro, enfrenta alguns problemas de falta de norteio e centralidade ao ficar em dúvidas sobre o tom que deve seguir.
No mais, se considerarmos que é um jogo já existente, lançado em 2006 e com todo um know-how já conhecido por outros jogos da série que vieram depois, a repaginação lançada agora não poderia e nem deveria ter saído assim.
Com exceção do jogo de luzes propiciado pelo ray tracing e a direção de arte que funciona bem, em muitos outros momentos, parecia que o jogo estava saindo para a geração errada, pois se adequaria melhor em consoles de uma ou duas gerações passadas.
Uma das mais tristes constatações e lamentos que podem ser feitos é que a melhor coisa que poderia ter acontecido com este novo Saints Row seria a exclusão de todo e qualquer diálogo entre os seus personagens, visto que a modelagem facial dos personagens é frustrante em um nível que beira o precário.
Se fosse um multiplayer online sem nenhum adereço narrativo, apenas colocando os jogadores para se enfrentarem, a precariedade gráfica da modelagem dos rostos dos NPCs se destacaria bem menos, não prejudicando o jogo base.
Além dos pecados gráficos, a jogabilidade em Saints Row não recebeu a devida e esperada repaginação. Quando recordo sobre a jogabilidade de Saints Row, logo me vem à mente um dos maiores desastres recentes da indústria de jogos: Cyberpunk 2077.
Vagar pelas ruas de San Ileso me fez lembrar todos os problemas percebidos e até hoje relatados pelos milhares de jogadores chateados com Night City, a cidade sede do jogo da CD Projekt Red.
Toda a dinâmica de combate físico e o gunplay é problemática ao ponto de tornar o jogo maçante, tirando a graça mínima que um combate precisa ter. Os NPCs, principalmente em combates com diversos inimigos, nos proporcionam avistarmos os mesmos rostos sendo enfrentados várias e várias vezes, apontando um descuido que, na realidade, pode ser entendido como uma pressão dos produtores para que o jogo fosse finalizado e lançado o quanto antes para abocanhar vendas durante o período pandêmico, quando houve um crescimento no número de jogos vendidos.
O contato com os objetos e demais ambientes do cenário é problemático e só um patch de lançamento poderá começar a corrigir tais falhas, que não são poucas. Em alguns casos, durante os combates físicos, o jogador certamente lembrará das lutas coreografadas no cinema em que socos e chutes não encostam e ainda passam bem longe de atingir o corpo ou rosto dos atores nas cenas que vemos dos making of dos filmes.
Em Saints Row, não raramente, socos e chutes não batem nos personagens e isso fica nítido na tela durante uma cena de ação qualquer.
Hoje em dia, reboots, remakes e remasters são lançados como termômetros para testar a fidelidade dos jogadores para com uma determinada franquia e saber, mediante a aceitação e o sucesso de acordo com o número de vendas, se há espaço para novas continuações. Ainda assim, o lançamento de um novo Saints Row da forma como este foi lançado, demonstrando certo desprezo pela própria franquia, não contribui para que tenhamos uma continuação oficial de Saints Row.
Lançar o jogo dessa forma apenas contribui para deixar a franquia adormecida por mais alguns anos, e sabemos que esse não é o desejo de nenhuma empresa que detenha uma marca milionária/bilionária em mãos.