É chover no molhado destacar o enorme sucesso dos jogos do subgênero conhecido como soulslike. Falo em subgênero, mas, como bem sabemos, jogos desse nicho criaram praticamente um gênero adicional em meio aos tradicionais existentes.

Além disso, há tanta força de influência embutida nos souls que eles se tornaram nortes para muitos lançamentos dos últimos anos, reacendendo muitas paixões pelos jogos e fortalecendo as vendas e o mercado.

A FromSoftware e o seu Toque de Midas conseguiram inovar em uma indústria que já está partindo para as quase dez gerações de consoles através das décadas. Capazes de estimular adesões de novas mecânicas em jogos consagrados, vide o que aconteceu com Star Wars: Jedi Fallen Order, que foi lançado com claras inspirações das mecânicas souls, a empresa japonesa e a sua famosa mecânica foi mote inspirador de, hoje, jogos consagrados, como é o caso do indie Hollow Knight, que é, no bom sentido, um Frankenstein de subgêneros, já que ele é mezzo metroivania e mezzo soulslike.

Ainda não chegamos no tempo de vermos, por exemplo, os jogos que foram influenciados por Elden Ring, o homérico, popular e gigantesco último lançamento da FromSoftware. Assim, no que diz respeito aos jogos da From, o que a indústria possui de mais recente para basear a criação de novos jogos são (ainda) outros títulos anteriores da citada empresa japonesa: os jogos da série Dark Souls, Bloodborne e Sekiro, todos estes lançados antes de Elden Ring.

Thymesia, desenvolvido pela OverBorder Studio e publicado pela Team17, das famosas minhocas de guerra Worms, e lançado em agosto de 2022, aproveita bastante coisa de Bloodborne para entregar ao jogador uma experiência que tenta cobrir um vácuo deixado por Bloodborne desde 2015, game que nunca foi remasterizado ou mesmo recebeu anúncio de uma continuação.

Dessa forma, ainda que com certas limitações narrativas, artísticas, de gameplay e gráficas, Thymesia esforça-se para ser ao menos considerado um sucesso espiritual de Bloodborne. Não significa dizer, no entanto, que as limitações existentes façam de Thymesia um jogo limado, feio, incompleto ou mesmo insuficiente. Nada disso. As críticas a ele são outras e serão abordadas em alguns parágrafos mais à frente.

Essa limitação em seu escopo geral é compreensível e aceitável porque estamos falando de um jogo que está mais próximo de ser um indie com certa pompa. Mas, em linhas e termos gerais, ele ousa emular muita coisa de um game que foi e ainda é até hoje um exclusivo com alto investimento da Sony, como é o caso de Bloodborne.

Tudo isso ajuda a explicar porque Thymesia vem carregado de uma proposta que já vimos muitas vezes, mas que passa longe dos holofotes dos grandes lançamentos. Não é de se estranhar, portanto, que desde o seu menu inicial ou mesmo desde o seu primeiro apertar de botões, seja possível se sentir a aura soturna da trilha sonora com corais e orquestrações épicas que tanto contribuem e contribuíram com a escala grandiosa de se jogar um soulslike.

Em comparação aos jogos da FromSoftware, quando estamos controlando Corvus, o protagonista de Thymesia, tudo parece ser mais direto e objetiv. Todo o background narrativo normalmente visto nos jogos da From, e que sempre se impõem brutalmente diante do jogador a partir de uma lore carregada de contornos geográficos, históricos, musicais e até mesmo nas primorosas direções de arte, aqui, ganham contornos mais unidimensionais. Não é um jogo From, afinal.

A afirmação a seguir não é um demérito. Entendam-na apenas como uma constatação, pois é o que ela é. De certa forma, Thymesia é mais curto que a DLC de muitos jogos. O que estende a sua duração é a intensa dificuldade de certos chefes de níveis do jogo, que obrigam o jogador a investir uma imensa quantidade de horas melhorando os status de “Corvus”.

Por conta da pressão do próprio jogo em se evoluir Corvus para se vencer os chefes de fase, em determinado momento, poucos inimigos faziam frente à evolução e poderio que eu possuía. Sem perigos iminentes, restavam apenas os chefes de fase. Só que como Thymesia é um jogo relativamente curto não só em duração, mas na quantidade de estágios (menos de cinco), todo o processo de upar o personagem para fazê-lo enfrentar os chefes esticaram demais a duração do gameplay sem justificar essa pressão para fazê-lo também durante cada uma das fases.

Com os upgrades e o aumento do ataque, da potência da garra e da barra de energia, tornava-se simples abater praticamente todos os inimigos que iam aparecendo pelos cenários.

A impressão que fica é que os grandes chefes de fase existem descolados da integridade do jogo. Ou existem em cadência pormenorizada em relação à narrativa em si. Ao fim, o que ficou parecendo é que a existência deles serve tão somente para justificar que o jogo tenha uma duração mínima de 10 horas ou mais.

O problema não para aí. Além da necessidade de upar o personagem para enfrentar os chefes, esse processo de evolução dos status revelam um outro grave problema de Thymesia: em algum determinado ponto da evolução de Corvus, os pontos ganhos para se evolui-lo simplesmente deixam de ser ganhos.

Sem explicação ou motivos, o jogo resolve frear o jogador para que ele não seja um oponente à altura dos chefes de fase. Em resumo, o jogo pune o jogador que se esforça e lhe nega a aquisição de novos talents (habilidades). Estas habilidades de aprimoramento melhoram a (o): sabre, a mecânica de rebater ataques (deflect), esquiva, garra, itens arremessáveis e estratégias de batalha.

Ao bloquear o destrave de novas habilidades por um capricho, o jogo retira a agência do jogador sobre o próprio personagem. Algo que não lembro de ter visto isso acontecendo em nenhum outro jogo.

Ao menos os comandos do personagem não sofrem impedimentos. Corvus possui os ataques com as armas que estão nas duas mãos, a esquiva, o bloqueio, a defesa, o deflect e consegue arremessar itens.

Apesar de contar com apenas duas armas padrões, um sabre e uma garra, há muitas possibilidades de se gastar a energia do personagem com uma série de ataques mágicos. Tais ataques tanto são desbloqueáveis, ou seja, conseguidos durante a trajetória natural do game, como são passíveis de evolução.

Há subníveis evolutivos em cada um deles. Ainda que o jogador mais atento possivelmente vá filtrar suas opções de acordo com cada desafio que se enfrente ou com as suas próprias preferências de uso. Quando se encontra o set mágico preferencial, Thymesia torna-se muito mais convidativo ao jogador.

E se Bloodborne foi citado como um destaque, é porque ele inspira Thymesia sobremaneira que se torna impossível, tela após tela, desassociar um game do outro. A OverBorder Studio recria o horror vitoriano sobrenatural que pinta cada frame do game de Hidetaka Miyazaki ao seu próprio molde.

As proporções, no entanto, estão devidamente guardadas. Não espere, em Thymesia, chefes com diversos estilos de ataques e que surpreenderão o jogador. Nada disso! Aqui, os inimigos possuem e destilam seus ataques básicos e é isso: são ataques básicos e que com cerca de uma dezena ou mais de segundos por luta, talvez já seja possível se ter conhecimento de todos os tipos de ataques que serão desferidos pelos inimigos em cada cenário e fase do jogo.

Do seu primo mais gabaritado, há certas coisas que não vieram junto. A limitação orçamentária que certamente restringiu muita coisa explica tudo que não se vê em termos de grandes destaques ou que são entendidos enquanto problemas mais gerais. A história, por exemplo, pode ser facilmente resumida como um médico da peste lutando para recuperar suas memórias no Reino de Hermes, a terra da alquimia.

Essa terra possui certa beleza gráfica, mas, ao mesmo tempo, carece de certos polimentos na direção de arte ou ainda quando olhamos com atenção para certos cenários não jogáveis, que ficam no horizonte. Todavia, quão mais fechado um ambiente é, mais bonito o jogo fica. Por isso, na medida do possível, espere por muitos locais fechados ao longo de todo game.

Dark Souls e os demais soulslikes fizeram escola e história. O que não é ruim, pelo contrário. Em sendo um jogo que emula muitas das características dos títulos da From, especialmente o já citado Bloodborne, Thymesia é suficientemente interessante para ser aprovado por média, embora com algumas poucas ressalvas. Por sorte, tais ressalvas acabam sendo nubladas pelos seus acertos em detrimento dos seus erros.

Thymesia pode ser julgado a partir de duas óticas: a primeira é pelo jogo que ele é. Ou seja, por tudo aquilo que ele consegue ser a partir de si mesmo e das suas propostas narrativas e de jogabilidade. E a outra forma pela qual ele pode ser julgado é como mais um jogo inspirado em tantos outros que estão por aí que usaram o padrão FromSoftware para se lançarem ou não ao estrelato.

Nota
Geral
7.0
thymesiaHá, em Thymesia, certa pretensão. Não dá para dizer que não é um jogo que não se arriscou dentro do que a sua proposta de jogabilidade se propõe a ser. Porém, limitações orçamentárias impedem-no de alçar voos maiores. Resta o seguinte: em um mundo em que já não existissem jogos como Dark Souls, Sekiro, Elden Ring e Bloodborne, este último sendo a mais óbvia inspiração aqui, Thymesia abriria seu próprio caminho para se tornar um clássico absoluto ao criar o subgênero Thysouls ou Soulsmesia.