Borderlands é uma marca cujas mais de 74 milhões de cópias vendidas até 2022 confirmam o sucesso da franquia em cell shading da Gearbox Software.
Com tantas milhões de unidades comercializadas, a cada novo jogo, é natural que se pense em mais expansões da franquia, seja trazendo novos jogos com novos personagens, ou, como aqui, dando destaque à personagem do título, uma velha conhecida: a Tiny Tina, que já havia protagonizado Tiny Tina’s Assault on Dragon Keep, DLC de Borderlands 2 que mais recentemente foi transformada em jogo standalone, comercializado e também fornecido gratuitamente por um tempo pela Epic Games.
Ela, personagem já conhecida da franquia, ganhou oportunidade de, em Wonderlands, ser a “protagonista”. No título e em parte da narrativa, sim, pois não jogamos com ela. Ainda assim, pelo decorrer do jogo, sentimos e sabemos da sua presença, já que Tina é responsável por ser, enquanto mestra de um jogo de tabuleiro em que se passa o jogo, ser a nossa guia, que vai, de forma improvisada ou não, tecer vários comentários ora importantes e ora cômicos.
A estrutura básica do novo jogo, mediante o que é feito aqui, justifica a continuidade do modelo e layout de gameplay dos jogos anteriores. Contudo, Tiny Tina´s consegue, a partir de um level design muito mais vertical que os jogos pretéritos, e também a partir de uma direção de arte que se aproveita bastante do poderio gráfico dos consoles da atual geração, bem como das poderosas e mais modernas placas gráficas dos computadores, entregar um jogo visualmente instigante, polido e quase sem sobras, lacunas ou grandes defeitos e problemas.
Wonderlands funciona como uma boneca russa (matrioskas): é um mundo que contêm vários outros mundos dentro dele. Além disso, é um meta-rpg, pois, se a estrutura básica de um jogo desse gênero já está contida no gameplay e mecânicas de Tiny Tina´s, ele emula um jogo de tabuleiro dentro da sua história e narrativa, tudo guiado por Tina, Frette e Valentine, os companheiros de tabuleiro da personagem que dá nome ao título do game.
E já que introduzimos a personagem principal, é preciso que se fale das classes ofertadas. Diferente de alguns dos jogos anteriores da franquia em que tínhamos quatro personagens liberados desde a tela de seleção (e outros dois liberados em DLCs, como em Borderlands 2 e no Pre-Sequel), aqui temos seis classes à disposição logo de início: Facadamente, Garraforte, Lança-Magia, Necronata, Guarda-Esporo e Brr-Ucutu (sim, com dois R). Para as minhas desventuras em Wonderlands, optei pela classe Lança-Magia.
E como é um padrão estabelecido pelos outros jogos, também há a árvore de habilidades que modifica e melhora o personagem escolhido. E o jogo, como os anteriores, possui o fator multiplayer. Para muitos, é uma possibilidade que melhora o gameplay e diverte bem mais quando é jogado fora da experiência solo.
E ainda que seja jogado individualmente, em se tratando das classes de personagens, Wonderlands permite que o jogador adquira e evolua uma segunda classe, trazendo mais diversidade à experiência de quem porventura esteja tentado a começar um novo save para escolher um personagem que funcione melhor para a jogabilidade e a experiência de cada jogador.
Com isso, se levarmos em conta que em tela podemos ter até quatro jogadores em cooperativo, e são seis classes liberadas, numa mesma experiência, todas as classes disponíveis podem ser vistas, testadas e apreciadas em uma duração de tempo suficiente para permitir que se conheça melhor cada personagem daqueles que a obra permite. Há a possibilidade de, mesmo em uma aventura solo, se segurar a habilitação do novo personagem e apenas se vá inserindo novos status para a melhoria daquela nova classe até que o jogador considere viável a utilização dela em detrimento da anterior.
Falando em jogadores, escolhas, classes e diversidade, vale dizer que Tiny Tina´s Wonderlands permite que a pessoa que vai jogar aquelas boas dezenas de horas opte pela identificação e/ou orientação sexual com a qual quer ser identificado. Algo visto, para quem lembra, até recentemente, em Cyberpunk 2077, e que aqui também possui vez. Logo de cara, podemos nos identificar enquanto ele/dele e ela/dela. Ou ainda não se identificar, que é também uma das alternativas oferecidas.
Em se tratando do rol de elementos customizáveis, Wonderlands se sobressai sobre os games da série Borderlands. Dessa vez, além de capacetes, máscaras, cabelos e cores das roupas, existe customização detalhada de outras três partes da sua armadura/traje, modulação e velocidade de voz e mais. Algo que acrescenta à aventura de sair looteando pela geografia do game é coletar novas customizações.
Isso, somado a um robusto modo foto, com opções e liberdades para ter as melhores fotos temáticas para se guardar ou se postar em suas redes sociais, fóruns e sites, certamente enriquece essa “necessidade” de se padronizar as vestimentas e o personagem com a roupa/armadura mais adequada e possivelmente estilizada para aquela foto que certamente orgulhará o jogador e renderá saudáveis interações onde for postada.
Duas coisas que sempre fizeram bastante sucesso nos jogos da série Borderlands foram o seu lado cômico, sempre com piadas, sarcasmos e gracejos inteligentes e que passeavam por obras muito além dos domínios da narrativa e história do jogo — visual ou literalmente provocando o jogador a ter certo leque de conhecimentos da cultura pop —, como também, justamente, o oceano de referências que povoavam os games anteriores sem nenhum pudor. Em Tiny Tina´s, não é diferente.
Tudo que pode ser minimamente referenciado, será. E aí, há uma lista curiosa de obras da cultura pop atuais ou não com as quais o jogador irá bater de frente: Castlevania: Symphony of The Night (“Hehehe… Thank you!”), Zelda: A Link to The Past, Moby Dick, Don Quixote, Star Wars, a lenda do Rei Arthur, Vinte Mil Léguas Submarinas, os Smurfs, João e o Pé de Feijão, Senhor dos Anéis, Game of Thrones, Gears of War e por aí vai.
Para ficar apenas em uma, essa última referência acaba sendo interessantemente integrada à narrativa e ao gameplay do jogo, deixando de ser apenas e tão somente uma referência e ganhando um status maior e mais cintilante, digamos assim. Como se não bastasse, existem as meta-referências: o jogo vai além e, por exemplo, de todas as obras citadas acima, ele mescla duas delas em uma situação, no duplo sentido, bizarramente familiar. E divertida!
Para além das referências que são ditas, ouvidas, lidas e que interagem com o jogador, em muitos momentos, há outras que estão por onde se pisa e vai: pelos variados cenários, biomas e geografias pelas quais o jogador passará, será possível também acessar espaços que em muito lembram jogos já clássicos e consagrados, como The Elder Scrolls: Skyrim, ou ainda jogos que certamente estavam em produção conjunta ao mesmo tempo em que TT: Wonderlands, como é o caso de Elden Ring.
De repente, se está em uma dungeon enfrentando-se esqueletos e, instantes seguintes, estamos escalando plantas gigantes e masmorras para se chegar na lateral de um vitral de um castelo em que, por dentro, algumas paredes serão quebráveis e guardarão certos segredos. Claro que Elden Ring e Tiny Tina´s possuem propostas diferentes, com mecânicas, câmeras/pontos de vistas e estilos diferentes, mas é curioso notar como há certa retroalimentação entre eles.
Assim como as referências distribuídas pelo jogo inteiro, toda a parte cômica acontece em um nível bastante propício a, quase que constantemente, arrancar risos do jogador com piadas que são ditas, podem ser lidas e estão espalhadas pelo cenário. Méritos, inclusive, para a equipe responsável pela legendagem do jogo para a nossa língua, pois não deve ter sido fácil traduzir e manter a graça em certas legendas e nomes de personagens do game.
Por isso, como não esboçar um sincero sorriso ao cruzar com um NPC chamado Faccada P. LasCostas, passar por um rio feito de algo que lembra Fanta Laranja ou ser barrado por uma muralha de Cheetos? Os dois últimos exemplos são gags visuais funcionando quase como se fossem product placements (a publicidade indireta) interativos ou não.
E apesar da comicidade ser um elemento impregnado ao contexto dos jogos da série Borderlands, TT: Wonderlands até possui sua faceta mais sombria e um pouco mais distante do que normalmente costuma-se ver ao longo da franquia. Ao longo dos capítulos do game, vez ou outra me deparei com momentos mais sombrios ou que tentaram e, por vezes conseguiram, através de um jump scare (aquele típico susto de um filme de suspense em que um personagem salta na frente de outro e a música eleva-se de repente), me assustar.
Tal pequena mudança, que pode também ser percebida em como a trilha-sonora também se torna mais forte, densa e presente em batalhas específicas, faz com que o jogo ganhe ao se diferenciar da saga principal e demais derivados de Borderlands.
Para enfrentar o Senhor dos Dragões, o grande inimigo do game, que também oferece sua parcela de sarcasmo e ironia sempre que aparece, além das múltiplas armas, os poderosos e eficazes ataques melee e as magias (ótima substituição às granadas, ao menos para a classe Lança-Magia, a que escolhi), o jogo, em seu divertido e bonito mapa tabletop, traz pequenos desafios em formas de arenas que podem ser acessados quase que recorrentemente.
Ao se deslocar pelo mapa tabletop, enxergamos o personagem como um totem/peça de um tabuleiro que pode se movimentar livremente pelos limites desse tabuleiro. Ao se passar por áreas de mata alta, em que a movimentação é propositalmente mais lenta, inimigos surgirão. Sendo da vontade do jogador enfrentá-los, ou quando se é pego de surpresa por eles, uma batalha no estilo tradicional, em uma pequena arena, será iniciada. Ecos de Halo, Quake ou Doom são positivamente sentidos nesses momentos, que são rápidos, oferecem boas recompensas e são bem divertidos.
Esse tipo de batalha em arenas volta a ocorrer quando o mapa nos impede de ir de um determinado trecho para outro, obrigando o jogador a atravessar a batalha para se acessar outras partes do tabuleiro/mapa isométrico. É uma adição inédita à saga e cujo contexto para essa inserção se justifica pela história proposta pelas Wonderlands da Tiny Tina. Ainda com relação ao mapa, é impossível não se encantar com a música que é tocada sempre que estamos nele. Se o jogo é bom em sua forma tradicional, a Gearbox acerta ao fazer com que esses momentos também sejam demasiadamente agradáveis.
Com relação à personagem que dá nome ao game, mesmo não sendo uma personagem jogável, ela está presente ao longo de todas as horas que serão jogadas. Desde a introdução — em que ela, mestra daquele jogo de tabuleiro e nossa guia pelo game digital, introduz a mecânica de salto fazendo piada com o ato de saltar um tronco e criando um nome científico para aquele tronco que refere-se à mecânica de pulo — ou até nos momentos de transições de capítulos ou cenas em CG que nos arrancam do jogo digital para a mesa de tabuleiro em que nos vemos de frente aos recados e discursos de Tina, que também conta com Frette e Valentine, outros sábios narradores e comentadores de tudo que acontece ao longo do game.
E se você, jogador, sentiu falta de um determinado personagem (sim, aquele lá…) da franquia, bom, digamos que o jogo é cheio de surpresas.
Nas minhas divertidas e tresloucadas aventuras e andanças nas Terras Maravilhosas, fui um dos causadores de uma revolução trabalhista, libertei presos políticos e conheci a FEDE, a Federação de Emancipação dos Duendes Escravizados. Mesmo com o risco de soar repetitivo, afirmo: Tina Tina´s Wonderlands é divertido como nunca e hilariante como sempre.