Uncharted, como franquia, juntamente de Infamous, talvez forme a base do modelo de jogos da fase moderna e da filosofia compartilhada entre os estúdios PlayStation.

Horizon, God of War, The Last of Us pegaram emprestado deste molde que tanto agrada a faixa de jogadores que gostam de videogame num nível um pouco acima ou muito acima daqueles que encaram a atividade como algo que poderiam passar os dias sem.

Este modelo de jogo “da Sony” carrega coisas explícitas, que compõem sua própria fórmula, e traz coisas implícitas, que este mesmo público acaba aclamando a obra como um todo, muitas vezes se simpatizando com elas unicamente por causa deste ingrediente que nem elas mesmas percebem em um primeiro momento.

Que ingrediente é esse? Eu estou falando da maturidade, essa que o jogador que jogou PlayStation (1) enquanto adolescente ou criança, gosta que seja tratado.

Essa tal maturidade (ou o que muitos poderiam falar que trata-se de uma pseudo maturidade) não vai sair tão cedo da filosofia não dita da empresa PlayStation. E sem surpresa alguma, cá está Uncharted 4: A Thief ‘s End falando sobre fins de jornadas, família e trabalho.

Claro que dentro de um contexto colorido, seja sob o sol que bate no limoeiro Siciliano ou no fundo de um rio na Malásia. O jogador PlayStation moderno gosta de ser reconhecido como alguém que paga boletos e habita apartamentos. E tá tudo bem quanto a isso.

Nate aposentado

A Thief ‘s End trata de Nathan Drake não sabendo segurar a sua empolgação em se meter em mais uma nova confusão atrás de um novo tesouro, tudo por causa de pistas que seu irmão Sam descolou. Como um personagem tirado da cartola de repente, Sam é alguém praticamente não citado em nenhum dos outros jogos, mas que a Naughty Dog insere de forma forte e constante, trazendo uma sensação estranha ao jogador.

Uncharted™: Coleção Legado dos Ladrões_20220125204650

Irmãos secretos a parte, o quarto jogo procura ser mais dosado na onda de inimigos, procurando apresentar um número de oponentes mais plausível e o máximo de realidade seja empregada, sem que haja uma dissonância,  que eu  acharia uma bobagem se isso for oficialmente confirmado, mas aplaudo a decisão pelo simples fato de que realmente os tiroteios nos Uncharted anteriores são infindáveis e sacais a partir de certo ponto, e não incômodos por causa da irrealidade com que um exército avança para cima de você, só porque é um jogo com uma narrativa rebuscada e mais pé no chão. 

O grande presente da série Uncharted na verdade é de entregar diálogos fáceis ao mesmo tempo que entrega atuações digitalmente carismáticas num tom leve, para casar com o colorido de doer os olhos devido às locações exóticas e quase sempre acertadas.

A Thief ‘s End também apresenta porções que lembram filmes de James Bond ou Missão Impossível, quando é preciso se misturar numa grã-fina festa que promove um leilão numa mansão na Itália. Também como novidade, as partes de escaladas contam com um gancho que pode ser cravado em partes determinadas pelo jogo, além de ribanceiras em que o protagonista deve escorregar e saltar para outro local antes que caia (sim, isso virou um gimmick neste jogo).

Muitas vezes Drake terá que fazer curvas em ribanceiras irregulares e em formatos variados. Por fim, assim como Lara Croft no Tomb Raider de 2013, é possível fincar uma prática picareta em rochas porosas (também com localização determinada pelo game – e não pode ser utilizada em todo canto). Muitas vezes você terá que lidar com um combo desses três gimmicks misturados em sequência, o que não desperta tanta emoção, mas ao menos fornece uma variação no cardápio batido de escaladas em montanhas e prédios com estrutura em condições precárias, que desabam assim que agarramos nelas.

Costurando por cima disso, temos Helena, amorosa esposa de Drake, apoiando seus desejos, ao mesmo tempo enfrentando dilemas matrimoniais.

O jogo consegue construir uma intrincada história familiar enquanto ao mesmo tempo balança por cipós e cai de mil cachoeiras, deixando a coisa toda com uma cara de pacotão blockbuster.

O Legado restante

Em outro lado do pacote, a diminuta aventura da dupla feminina (Chloe e Nadine) é pouco familiar, mas ainda emocional.

Desta vez é necessário que o jogo desabroche num timing mais acelerado e ele consegue incluir dilemas e confusões no meio disso. Um grande truque que Lost Legacy traz para inchar sua própria barriga e prender o jogador por mais tempo nessa expansão standalone de Uncharted 4 é de colocar bem no meio do jogo uma área aberta, requerendo que as amigas visitem os quatro cantos do mapa para conseguirem o que procuram. A estrutura deste mapa é propositalmente trabalhosa, pedindo que o jogador dê voltas confusas para chegar no destino desejado e isso tudo parece ser proposital.

Isso também vai significar patrulhas infindáveis de inimigos, que somado ao setting vai lembrar uma versão em terceira pessoa de Far Cry 2 ou Far Cry 3 em alguns momentos.

De qualquer forma, trata-se de uma experiência semi-enxuta mas intensa e satisfatória, que fecha a série para até o dia em que a Sony/Naughty Dog quiserem abrir esta tumba novamente e renovar a franquia com mais histórias.

O máximo dentro do próprio framework

Um tanto complicado é falar da parte técnica transformada mais uma vez em um título que está embaixo do guarda-chuva da Sony. O visual da aventura dos ladrões já apresentava o máximo imaginável no PlayStation 4. Tanto na parte técnica quanto na parte artística, as cores saltam aos olhos, através de localizações deslumbrantes.

Isso torna a tarefa de palpitar sobre este relançamento um pouco redundante, automaticamente não fazendo valer a pena para aqueles que estão com os títulos frescos na cabeça. Esta pequena coletânea Uncharted irá servir para quem optou por ficar de fora da geração PS4, ou para quem ficou somente nos PCs, pois os dois games vão chegar ainda em 2022 nos computadores. Note que estamos falando aqui de uma versão super otimizada de um jogo de PS4, que já era extremamente competente neste âmbito.

As mesmas melhorias suspeitas de sempre nas remasterizações para PS5 estão presentes aqui também: imagem mais nítida em 4k ou fluidez de movimentação com o modo de 60 quadros por segundo. O meu modo preferido sempre será o modo de desempenho, com o dobro do FPS. Mas não se esqueça também dos gatilhos adaptáveis, presentes principalmente na parte de manuseio das armas, dando aquele prazer adicional na gameplay.

Depois da estonteante realização técnica de The Last of Us Part II, é possível notar que muito mais trabalho de animação facial foi investido nos protagonistas dos quais jogamos em A Thief ‘s End e Lost Legacy. O mesmo não pode ser dito de coadjuvantes e quem dirá de NPC ‘s aleatórios (que são esquecíveis e desimportantes, porém servem para notarmos a discrepância de qualidade no modelo facial e animação). The Last of Us inclusive, desfruta da vantagem de se passar num mundo pouco populoso e somente as pessoas necessárias vão ganhar tempo de tela.

O quarto jogo principal da série é uma espécie de arroz de festa da própria plataforma: ao mesmo tempo que é um título indispensável para os donos de um PS4, se tornou um lugar comum demais e as pessoas já estavam prontas para seguir em frente depois de tantas aventuras literalmente selvagens. Sentiu-se que A Thief ‘s End estava no limiar da mesma continuação aceitável para  a sequência que ninguém mais aguenta.

Diferente da sequência de God of War 3, o Ascension, o jogo da Naughty Dog se safou com folga devido ao talento que parece infindável de praticamente todos os departamentos internos. De quebra,, quase soando como um teste, ou um “oi” para ver se a galera ainda aguentava a franquia, temos a expansão separada, Lost Legacy, que  é uma de minhas favoritas por ter a duração perfeita e por esse mesmo motivo, conseguiu.

Nota
Geral
9.5
uncharted-legacy-of-thieves-collectionQuem comprou um PlayStation 5 e não teve contato com jogos da Sony nos últimos 10 anos, está bem acompanhado neste começo de nova geração. Uncharted 4 e Uncharted Lost Legacy são dois títulos obrigatórios na lista de quem deseja consumir as obras exclusivas da fabricante japonesa. Os gráficos ainda vão impressionar, a performance é fluida, dando uma bela piscada para aqueles que  já jogaram o game e agora querem desfrutar de uma versão totalmente maximizada. Isso não mexe muito com a grande qualidade estabelecida já na versão original, mas de novo, é uma boa pedida também para aqueles que estão com saudades de seus ladrões favoritos.