Um grupo de pessoas está em uma casa em que certa tranquilidade é abalada por uma entidade que realiza uma possessão demoníaca que prejudicará o psicológico e o físico destas pessoas.
A entidade, brutal e feroz, toma posse de alguém da casa. Foi, justamente, a pessoa que até então parecia ser a protagonista daquela história. Daí em diante, o restante, entre amigos e o laço amoroso da pessoa demonizada, buscarão duas coisas: entender o que está havendo e, a tarefa mais difícil de todas em circunstâncias iguais a esta: sobreviver.
E foi assim que, na década de 80 do século passado, o diretor Sam Raimi nos apresentou ao primeiro longa-metragem da franquia Uma Noite Alucinante, um sucesso de baixíssimo orçamento que tornou Sam Raimi em um dos diretores mais queridos e cultuados de Hollywood e apresentou um protagonista, Ash, que até hoje rodeia o imaginário popular dos filmes de horror. O filme teve várias sequências, reimaginações e virou série de televisão com três temporadas.
Infelizmente, a crítica em questão não é sobre Uma Noite Alucinante. É sobre Duas Bruxas – Herança Diabólica, um outro terror de baixíssimo orçamento e que emula toda a situação contida no primeiro parágrafo.
Apesar do pífio orçamento de Uma Noite Alucinante, a canastrice de Bruce Campbell (Ash) ao menos casava com a reviravolta emocional do personagem no filme de Sam Raimi. No caso de Duas Bruxas, o personagem canastrão é apenas um ator ruim e cujas falas, que possuem uma gama de diálogos expositivos desde o início. Um exemplo óbvio é a fala sobre a gravidez da esposa que se dá logo no início do filme, apenas refletindo a pobreza do roteiro.
Falando em pobreza de roteiro, o filme é dividido em três partes. Três curtas histórias, sendo dois capítulos e um epílogo. As histórias tentam retratar uma geração de bruxas que, justamente pela falta de carisma dos atores e atrizes do elenco, pouco importa se haveria ou não conexão entre os capítulos e o epílogo, visto que não é possível simpatizar com absolutamente nenhum dos personagens em cena. São (quase) todos descartáveis.
Talvez o personagem pelo qual seja mais fácil se nutrir alguma empatia seja um que vez ou outra é falado e suas qualidades são destacadas. Curiosamente, o personagem praticamente não está no filme. O melhor (menos pior é mais justo) personagem de Duas Bruxas pouco está no filme. Aparece apenas no epílogo para participar de uma cena bizarra. Questões assim apontam algo gritante de tão óbvio: o filme deveria ter passado por mais exibições testes ou o roteiro poderia ter tido mais tempo de dedicação à escrita.
Na tentativa de emular Uma Noite Alucinante, Duas Bruxas – Herança Diabólica parece ser apenas um filme caseiro e feito por uma turma de amigos. Apesar de ter virado sensação em alguns festivais alternativos de cinema de horror, não existe justificativa aceitável que o tenha condicionado para tal sucesso. É um filme aquém de qualquer mínima expectativa e que apenas pega uma fórmula desenvolvida por Sam Raimi há pouco mais de quarenta anos, requenta-a e entrega uma obra inacabada, nada inspirada e com um elenco incapaz de operar para fora dos papéis e arquétipos que ocupam.
Para além de tudo isso, embora possa ser dito que o filme é direto ao ponto no quesito sustos, o que existe, de fato, é um infindável somatório de jump scares (aqueles sustos que acontecem do nada e nos quais algum som ou trilha são elevados ao máximo para que som e vídeo perturbem a calmaria do espectador já em estado de pavor ou que não esteja esperando o susto).
Os jump scares são telegrafados à frente de quem assiste sem nenhum pudor: há a clássica cena do espelho do banheiro em que pode aparecer alguém quando se abre ou fecha a portinhola do espelho, há também o susto de quando alguém, normalmente um outro personagem amigo, aparece falando repentinamente em tela, assustando algum personagem que está apenas abrindo a geladeira para tomar água e outros sustos similares às centenas e milhares que já vimos em tantos outros filmes.
Antes de encerrar, fica ao menos o destaque para o diretor do filme, Pierre Tsigaridis. Com a melhor das intenções por conta do orçamento bastante reduzido, além de dirigir, ele foi o roteirista, o editor, o diretor de fotografia, trabalhou no departamento de maquiagem/efeitos e ainda compôs parte da trilha-sonora. O maior feito do filme está na predisposição do diretor em lançar a sua obra, portanto.
Com mais orçamento e uma equipe maior, mesmo arriscando perder a sua essência indie, o filme talvez fosse outro.
Ao fim, Duas Bruxas ainda tem o despudor de nos mostrar a sua cena mais apoteoticamente pesada, bárbara e assustadora: TO BE CONTINUED…
Sinto muito, mas a minha única curiosidade é se o título do próximo filme será Três Bruxas. E só.