Ultimamente, pós um pequeno declínio no sub-genero de super-heróis, uma das grandes apostas dos estúdios de Hollywood tem sido filmes e séries de jogos eletrônicos, seja por adaptações de jogos como “Super Mario World”(2023) e “Mortal Kombat”(2021), ou seja apenas obras que possuem a temática vídeo game mas que não adaptam nenhum específico, como “Free Guy”(2021), “Detona Ralph”(2013) e “Jogador Número Um”(2018).
Não que antigamente não existissem, mas na atualidade tem vindo com muito mais força, em sua maior parte, pelo fato da décima arte ter se tornado a indústria que gera mais dinheiro nos dias de hoje.
Nessa onda, dois filmes deste ano, 2023, vieram para quebrar um pouco o padrão no “gênero” de vídeo-games: Tetris, que não se trata de uma adaptação do jogo, mas sim uma biografia sobre a criação e bastidores do sucesso do mesmo no mundo real; e a outra é Gran Turismo, que também não trata-se de uma obra fictícia, mas sim uma adaptação de uma história real.
A partir de uma nova aposta da Sony, em adaptar os jogos de seu console: PlayStation, para o audio-visual, o estúdio PlayStation Productions foi criado e novos projetos já nasceram, e ainda nascerão, fruto disto. Como foi o caso de “Uncharted (2022)”, a série “The Last of Us (2023)” e a não tão conhecida no Brasil, por se tratar de uma série exclusiva de um streaming norte-americano, “Twisted Metal (2023).
Gran Turismo, uma franquia de simulador de corrida exclusiva dos consoles da Sony: PlayStation, que existe desde 1997 e é a marca mais rentável da empresa, não ficou de fora dessa empreitada. Porém, por se tratar apenas de um simulador de carros extremamente realista, era muito difícil imaginar que um projeto audio-visual surgisse de tal, e ainda mais, que se tornasse algum tipo destaque, dentre tantos filmes sobre corridas e corredores já existentes por aí. Mas a ideia de abordar um caso real, completamente conectado à franquia, não só foi uma ótima forma de fazer um derivado, mas também uma ótima jogada de marketing.
O caso em que o filme se baseia é a história fatídica do inglês Jann Mardenborough, um jogador fascinado por carros e corridas, que era muito expert nos jogos de Gran Turismo. Devido a uma oportunidade dada em conjunto da Sony e Nissan, a vida de Jann mudaria para sempre. O concurso visava pegar os melhores jogadores de Gran Turismo e dar-lhes a chance de correrem em pistas de corridas na vida real, e transformá-los em corredores profissionais. Jann foi o grande sortudo, que graças a suas habilidades com o game, conseguiu realizar seu sonho.
A história por si só já era uma ótima jogada de marketing para promover os jogos lá em 2011, ano em que houve o ocorrido, mas transformá-lo em uma obra cinematográfica foi ainda mais, uma vez que divulga a franquia como tão realista que gera no espectador o interesse instantâneo. O engraçado, é que parando pra pensar, é uma proposta muito absurda que jogadores de jogos de corrida consigam se tornar corredores profissionais apenas com experiência de jogabilidade, e caso fosse uma ficção, poderia ser um tiro no pé do estúdio por não ser convivente o suficiente. Mas por se tratar de uma situação fatídica, o que seria difícil de se convencer, acaba se tornando algo impressionante e portanto, uma boa propaganda.
Pena que o longa não aborda essa questão de forma tão eficiente, pois dava pra ter explorado de uma maneira muito mais esperta um jogador aprendendo a virar um corredor. Até existem menções conscientes de que existem fatores para além de “saber jogar” e “conhecer carros”, porém apenas citado de forma rasa e pouco explorados, o que faz parecer que é extremamente fácil se tornar um corredor com preparo mínimo, coisa que é extremamente irreal, mesmo pra um filme biográfico.
Claro que, biografias cinematográficas, tomam liberdades criativas para mudar a realidade em prol de transformar em um roteiro que cative e entretenha, afinal se trata de uma romantização dos fatos. Mas o que ocorre aqui acaba sendo uma transformação do caso de Mardenborough numa jornada do herói básica, onde os obstáculos não parecem tão complicados, fazendo com que a trajetória do protagonista pareça fácil demais. Existe muita confiança no Jann interpretado por Archie Madekwe, e toda essa confiança é pouco acompanhada de dificuldades, o que gera conquistas vazias que não trazem muito peso.
Até existem certos trechos no qual são abordados impasses, mas eles são tão sem peso dramático que se tornam básicos demais, e tão ali apenas para dar o check de como um arco deve seguir. Pra piorar, o longa aborda um acidente real em que Jann sofreu, onde feriu muitos espectadores, e uma deles veio a falecer, mas altera cronologicamente o acontecimento sem se preocupar muito com a vítima, apenas para favorecer o arco do protagonista. Não existe problema abordar o caso, muito menos alterar cronologicamente, mas dar pouca importância para vítima e usar isso para favorecer o herói, acaba sendo desrespeitoso.
Outro incomodo, é com relação a temporalidade. Em nenhum momento existe um indicativo de que ano ou década se passa. Então é muito confuso quanto tempo leva entre cada acontecimento e outro, fora que, por se tratar de um incidente que ocorreu em 2011, é estranho existirem elementos no longa que indique ser atual, como uma rápida aparição de um controle de PlayStation 5, e ao mesmo tempo nenhum indicativo de época. Isso só torna mais confuso de quando a trama se passa.
Curioso é saber que o diretor Neill Blomkamp, conhecido por alguns blockbusters de ficção científica (Distrito 9, Chappie, Elysium) resolveu se aventurar em uma obra biográfica de esportes. Sua direção é eficiente, mas aqueles que buscam por cenas de corrida marcantes ou impactantes, deixa a desejar. São boas cenas, mas nada que seja icônico o suficiente para se tornar memorável. O ritmo do longa é extremamente apressado, não dando tempo o suficiente para sentir cada situação, o que gera aquele problema de falta de peso dramático, antes já mencionado. Tudo ocorre muito rápido e não da tempo de sentir muita emoção em cada circunstância.
Uma sacada genial, foi a emulação da câmera em terceira pessoa dos videos games, em alguns trechos que seguem a visão por trás dos carros. “Gran Turismo: De Jogador a Corredor” é um bom filme, e uma ótima sacada de marketing. É uma ótima forma de adaptar os jogos de maneira convincente. Entretanto, falha em aspectos simples e faz o básico na jornada do protagonista. Jornada essa que é interessante, e os conflitos mantém o espectador interessado, especialmente por se tratar de uma biografia. Porém, a PlayStation Productions precisa investir melhor em roteiros e direção competente para os próximos projetos de seus jogos.