Filmes como Meu Vizinho Adolph, em geral, não são fáceis de serem realizados. Na verdade, é preciso se ter bastante coragem ao se abordar temas sensíveis com determinadas pitadas de humor. E quando falo pitadas de humor, não é que o filme não possa ser escrachado em relação ao humor físico ou verbal visto em tela. De certa forma, Meu Vizinho Adolph, quando precisa ser, o é.
A questão que poderia, talvez, prejudicar o filme, e que, lembremos, ocorreu em partes com outro filme que prezava pelo escracho à medida que infantilizava um genocida, foi Jojo Rabbit (2019), do cultuado Taika Waititi (O que fazemos nas sombras, Thor: Ragnarok).
Naquele filme, o mal não era simplesmente banalizado, era escrachado ao ponto de se tornar um adereço cômico e, infelizmente, brando por muitas vezes.
Em Meu Vizinho Adolph, contudo, o filme dosa a si mesmo com pretensões distintas. Se é cômico inicialmente, sabe não sê-lo em demasia quando precisa emular certa carga dramática e mais amena, como também consegue injetar certa dose de suspense e mistério.
Algo incrível, inclusive, é que o filme consegue navegar por distintos gêneros e situações cômicas ou trágicas em pouco mais de 90 minutos. E mais: tudo isso, em um cenário bastante reduzido.
Quase 90% de Meu Vizinho Adolph acontece com base em apenas duas casas com suas respectivas áreas de jardinagem. E se o espaço físico é diminuto, não difere a quantidade de personagens centrais à trama.
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Temos três figuras de destaque, embora o filme inteiro poderia se desenrolar com apenas dois personagens: o senhor Polsky, interpretado pelo diretor e ator David Hayman (O Menino do Pijama Listrado, Andor), e por Herzog, interpretado por Udo Kier (Bacurau, Melancolia).
O senhor Polsky, cujo primeiro nome é Pavel, é um sobrevivente dos campos de concentração nazistas que leva, sozinho, uma vida em paz. Seu dia a dia gira em torno de cuidar de suas rosas negras, uma herança amorosa que ele aprendeu a cultivar desde antes dos campos. No mais, Pavel lê jornais e atende, de forma ranzinza, o carteiro da vizinhança.
Falando em vizinhança, em certo dia, o cotidiano do velho sobrevivente é abalado quando ele descobre que a casa ao lado será alugada. É Frau Kaltenbrunner, a secretária de Herzog, aqui interpretada pela atriz Olivia Silhavy (A Dama Dourada), que noticia Pavel da chegada do seu futuro vizinho.
Contudo, a tranquilidade de Pavel é ameaçada. Em certo momento, já quando o velho Herzog já se tornou o seu vizinho, o outrora solitário Pavel assusta-se ao perceber que o homem da casa ao lado, na realidade, pode ser o próprio Adolph Hitler.
A partir daí, o filme entra em um espiral de comédia e mistério que caem bem à narrativa. Emulando o clássico Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, Meu Vizinho Adolph torna Pavel em um adorável “detetive”, que ora se vê obrigado a interagir com Herzog, ora quer toda a distância possível dele.
O roteiro e a direção de Leon Prudovsky, que até então tinha focado sua carreira em curtas e episódios de séries de televisão, consegue transitar entre gêneros sempre que o filme arrisca adentrar no campo do marasmo daqueles dias, tardes e noites de dois homens e suas residências.
Concentrando o filme na disputa intelectual dos dois homens, além da desconfiança de um para com o outro, Prudovsky sabe que pode contar com o talento dos seus dois protagonistas. Com isso, assegura-lhes tempo de tela o suficiente para que ambos, genialmente, encarnem suas próprias versões dos consagrados atores Jack Lemmon (1925-2001) e Walter Matthau (1920-2000), os dois velhos rabugentos mais amados do cinema.
Em muitos momentos, parecemos estar diante da dupla. Com total controle da narrativa que vai acontecendo graças ao rumo dos próprios personagens, o espectador pode se flagrar, por vezes, desejando que tudo aquilo sejam apenas algumas confusões de um surreal mal entendido que se instalou entre aquelas duas figuras.
A realidade, por outro lado, é dura e açoita forte. Mesmo assim, Meu Vizinho Adolph encontra, em sua atmosfera agridoce, espaço para revoltar e encantar quem o assiste.