Quando falamos no fatídico 11 de setembro, a primeira coisa que quase qualquer pessoa pode lembrar é a derrubada das Torres Gêmeas do World Trade Center. E se falei 11/09, mas não citei o ano, houve um motivo. Ainda que o atentado terrorista que modificou o mundo e a geopolítica global tenha sido algo terrível, os Estados Unidos da América, que naquele ano foi vítima de um cruel e avassalador atentado terrorista, em 1973, foi coparticipante e patrocinador de um cruel e avassalador atentado que modificou a vida de um país inteiro por vários anos.
Em 11 de setembro de 1973, no Chile, a partir do apoio logístico, político e financeiro dos EUA, Augusto Pinochet, então general-chefe do Exército chileno após a renúncia de Carlos Prats – um general constitucionalista e que era contra o golpe de estado –, foi peça chave na operação que resultou no bombardeio do Palácio de La Moneda, residência oficial do socialista Salvador Allende, presidente chileno que morreu neste mesmo dia, apenas algumas horas depois de iniciado o conflito/golpe.
Com Pinochet ganhando cada vez mais terreno no país que ele esteve à frente por cerca de 17 anos, o saldo final de mortos girou em torno de três mil pessoas, incluindo aí, uma iniciativa chamada Caravana da Morte, que assassinou várias dezenas de dissidentes políticos que não concordavam com o golpe, com a usurpação do poder e a política econômica de Pinochet, que fez do Chile um “laboratório” e cobaia mundial da implantação do sistema do neoliberalismo que também foi adotado – e também criticado – em vários outros países do globo.
Até chegar ao fim do seu governo, contudo, ainda que detivesse todo o poder estatal e militar em mãos, a política de Pinochet seguia gerando desafetos. Com isso, a Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), braço armado do Partido Comunista Chileno (PCCh), descontente com os rumos que o país tomava, resolveu, em setembro de 1986, arquitetar um plano para assassinar Augusto Pinochet, encerrando, mesmo com a existência de confrontos fatais, um ciclo de muitas outras violências bem maiores e mais enclausuradoras de um país, de um estado e da sociedade chilena como um todo.
E é aí que, Morte a Pinochet, filme dirigido por Juan Ignacio Sabatini, tem seu início. No longa, que é bastante enxuto em sua duração (são menos de 80 minutos), acompanhamos um pouco da vida e bastante dos planejamentos de Tamara, única mulher que chegou ao posto de coordenadora da FPMR – e dos demais integrantes da Frente.
Nesse sentido, Morte a Pinochet se assemelha um tanto ao que pode ser visto no fim de 2021, com o lançamento oficial do filme Marighella, do diretor Wagner Moura. O cotidiano de pessoas que lutam contra o regime é agridoce em ambos os filmes. Qualquer brecha emocional, portanto, é devidamente explorada para que possamos simpatizar com estas figuras, visto que, em linhas gerais, lutar contra um governo tirano a partir do conflito armado pode ser algo inimaginável e errado para o público espectador e também para as pessoas reais das respectivas épocas de Marighella e Morte a Pinochet.
Tamara (Daniela Ramírez), Sacha (Gastón Salgado), Ramiro (Cristián Carvajal) e demais membros da FPMR são figuras que brincam, amam, cuidam, criam, contam piadas e também lutam para que não só eles, como também, e principalmente, para que o povo chileno possa brincar, amar, cuidar, criar, contar piadas e não precise lutar, doando a própria vida se for necessário, quando governos totalitários e seres tiranos usurpem o poder público para si, apequenando uma nação enquanto subtraem direitos e torturam, esquartejam e escondem corpos como se a democracia seguisse funcionando normalmente.
Em tempos sombrios e nefastos, quando se resolve lutar contra a tirania fascista para além da palavra, as pessoas acabam se tornando alvos não mais a partir do rebate das ideias, mas a partir do açoite dos seus corpos. Morte a Pinochet entende esse panorama e, logo em seus primeiros minutos, a partir um truque interessante da fotografia e da direção de arte, “corta” a cabeça de um personagem em duas partes quando este se põe diante de um espelho de banheiro que também divide-se, fazendo com que enxerguemos, assim como ele, um foreshadowing (uma espécie de vislumbre/prenúncio de algo que pode vir a acontecer) com ele, outra figura ou grupo de personagens.
O momento condiz até mesmo com a personalidade mais introvertida de Ramiro. Enquanto isso, Sacha, que viu a violência desde criança, quando adulto, acabou se tornando alguém mais predisposto a realizar os atos mais violentos e físicos.
Já Tamara, a personagem mais interessante e desenvolvida de Morte a Pinochet, têm os melhores momentos do longa-metragem ao mostrar que, por ser mulher, ela precisa sempre se provar um tanto a mais que os seus companheiros homens. Não à toa, em determinado momento, ela diz: “Uma mulher não precisa ser invisível, só precisa parecer indefesa”. Ao ter plena noção de que pode usar o machismo dos outros como um artifício estratégico e de batalha, ela mostra o porquê de ter chegado ao posto de uma das coordenadoras da Frente.
Como todo o filme gira em torno do planejamento para um ato específico, as decisões tomadas pelos personagens ganham status de última grande decisão das suas vidas, reforçando ainda mais o drama pessoal e coletivo daquelas pessoas.
Mesmo para quem já conhece os vários desfechos da ação real, Morte a Pinochet é um documento audiovisual que mostra que nunca é demais lembrar que fatos heroicos são realizados por pessoas que muitas vezes são tomadas como vilanescas e marginalizadas e, ações horrendas são cometidas por grupos que detêm o controle dos fatos e podem se autopromover enquanto benfeitores a partir do controle que exercem sobre a mídia, o povo e os outros Poderes.